TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No presente processo, encontramo-nos perante o problema da qualificação, pelo legislador, de uma determinada norma como interpretativa. Nesse contexto, é importante começar por referir que uma norma interpretativa apresenta diferenças importantes relativamente a uma norma inovadora em termos de objeto, regime e efeitos jurídicos. Ao invés de uma disposição inovadora, uma norma interpretativa não pretende introduzir um conteúdo normativo novo no ordenamento jurídico, mas apenas clarificar qual a interpreta- ção da mesma que o seu autor entende dever vigorar. Pressupõe-se, neste caso, uma necessidade de aclarar o anteriormente disposto por este ser considerado pelo legislador como dúbio ou provocador de incerteza jurídica. Neste sentido, uma norma interpretativa deverá, necessariamente, fixar uma das interpretações pos- síveis decorrentes do enunciado normativo já vigente. Como referido no Acórdão n.º 267/17, da 2.ª Secção, ponto 7: «A especificidade da lei interpretativa prende-se com a intenção e a força vinculante do próprio ato normativo: por contraposição à lei inovadora, aquela visa ou declara pretender fixar apenas o sentido correto de um ato nor- mativo anterior. A mesma não pretende criar direito novo, antes tem como objetivo esclarecer o sentido “correto” do direito preexistente. “O órgão competente que cria uma lei (p. ex. a Assembleia da República) tem também a competência para a interpretar, modificar, suspender ou revogar” (cfr. Batista Machado, [ Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983], p. 176). Está em causa, afinal, uma manifestação da mesma competência legislativa que é fonte em sentido orgânico do ato interpretando (cfr.  idem ,  ibidem ).»  Fixando o autor da norma a sua interpretação, entende-se que essa é a forma como a norma deve ser interpretada para o futuro, mas também como deveria ter sido interpretada no passado, desde o início da sua produção de efeitos. Trata-se de um exercício legítimo do poder legislativo em prol da certeza jurídica e da correção dos atos normativos, que se projeta sobre o passado. No ordenamento jurídico, a edição de uma disposição interpretativa vinculativa envolve, necessaria- mente, a adoção de forma de lei. Decorre do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição que apenas através do exercício do poder legislativo é possível, com eficácia externa, interpretar um qualquer preceito legal. Assim, a norma interpretativa deverá ter forma e força de lei. Nesse sentido, tendo em conta o princípio da equipa- ração de valor dos atos legislativos, decorrente do artigo 112.º, n.º 2, da Constituição, a norma qualificada pelo legislador como interpretativa tem um valor igual ao da norma interpretada. Ora, «por ser de valor igual a este último, a lei interpretativa determina-lhe o sentido para todos os efeitos, independentemente da correção hermenêutica de tal interpretação. Por isso, a interpretação fixada pelo autor da lei interpretativa – a chamada “interpretação autêntica” – “vale com a força inerente à nova manifestação de vontade” do respetivo autor (cfr. Autor cit.,  ibidem , p. 177). Daí a consequência de a lei interpretativa se integrar na lei interpretada (cfr. o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil)» (Acórdão n.º 267/17, da 2.ª Secção, ponto 7).  Consequentemente, verifica-se que existem normas formalmente classificadas pelo legislador como interpretativas que, por serem inovatórias, não correspondem à definição material dada supra desta figura. Encontramos, assim, no nosso ordenamento jurídico normas interpretativas em sentido formal e substantivo (“verdadeiras” normas interpretativas) a par de normas apenas formalmente interpretativas (“falsas” normas interpretativas). Neste último caso, o legislador, com a aposição desta classificação, faz com que a norma projete os seus efeitos para o passado, desde a entrada em vigor da norma supostamente interpretada. A aprovação de leis apenas formalmente interpretativas, neste contexto, será problemática na medida em que se viole uma norma constitucional que proíba a retroatividade. É por isso que esta questão se coloca, nomea- damente, no domínio fiscal, onde vigora a regra da proibição da retroatividade no âmbito fiscal, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição Com efeito, como o Tribunal Constitucional referiu no Acórdão n.º 267/17, da 2.ª Secção, ponto 7: «Pode suceder – e sucede com alguma frequência – que o legislador declare ou qualifique expressamente como “interpretativa” certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora.

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