TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

180 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, se é certo que o legislador democraticamente legitimado goza de uma ampla margem de liber- dade de disposição, quer de conteúdos materiais de atos legislativos, quer relativamente à sua produção de efeitos, ele encontra-se irremediavelmente vinculado à Constituição, que lhe limita a possibilidade de recurso à retroatividade num conjunto de situações e matérias, sendo uma delas o domínio da legislação fiscal. 14. A proibição da retroatividade no âmbito fiscal está consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constitui- ção, segundo a qual, «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei». Como se salientou no ponto 7.1 do Acórdão n.º 128/09, da 3.ª Secção, que viria a servir de orientação à jurisprudência subsequente (cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 85/10, da 1.ª Secção, ponto 5, n.º 399/10, do Plenário, pontos 11 e 12, n.º 18/11, da 3.ª Secção, ponto 3, n.º 310/12, da 2.ª Secção, ponto 2, 382/12, da 2.ª Secção, ponto 8, n.º 617/12, do Plenário, ponto 2, n.º 85/13, do Plenário, ponto 9): «7.1. Foi na revisão constitucional de 1997 que o legislador constituinte tomou a opção de consagrar, no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, o princípio geral de proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos retroativos. Explicitou-se, aqui, diz a doutrina, algo que já decorria do princípio da proteção de confiança e da ideia de Estado de direito nos termos do artigo 2.º da CRP (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 1092 e seguintes). Decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal desfavorável (não se entrando aqui na questão de saber se normas fiscais favoráveis podem, e em que medida, ser retroativas) será constitucionalmente censu- rada quando assuma natureza retroativa, sendo a expressão «retroatividade» usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável. (…) Uma vez expresso no texto da Constituição a proibição da retroatividade em matéria fiscal, o Tribunal pas- sou a ler esta proibição já não numa dimensão subjetiva (dependendo, em concreto, do contexto dos sujeitos da relação tributária resultante da aplicação da lei) mas antes numa dimensão objetiva. Diz o Tribunal, a este propó- sito, que à proibição expressa da retroatividade da lei fiscal “não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objetividade e autovinculação do Estado pelo Direito” (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/00, in www.tribunalconstitucional.pt ) Quer isto dizer que, atualmente, e consagrado que está o princípio geral de irretroatividade da lei fiscal, a mera natureza retroativa de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administração fiscal ou do particular tributado. Por outras palavras, o juízo de inconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos, não dependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer elementos circunstanciais que resultem da con- dição, em concreto, de uma certa relação jurídico-tributária.» A Constituição proíbe, portanto, a estatuição de consequências jurídicas novas que constituam  ex novo  ou agravem situações fiscais já definidas. Todavia, as normas fiscais podem envolver diferentes “graus de retroatividade”, sendo a proibição do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, interpretada pela jurispru- dência constitucional no sentido de apenas consagrar a proibição da retroatividade autêntica ou própria da lei fiscal. Uma lei nova que pretenda afetar situações fiscais já esgotadas ou estabilizadas é necessariamente inconstitucional. Todavia, se a nova lei afeta direitos, situações ou posições constituídas no passado, mas que prolongam os seus efeitos no presente, o juízo de inconstitucionalidade já depende da “ponderação” de bens e interesses em confronto efetuada na análise da proteção da confiança. Como se explanou no Acórdão n.º 617/12, do Plenário, ponto 2 (citado e reafirmado no Acórdão n.º 85/13, do Plenário, ponto 9):

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