TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

168 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interpretada no passado, desde o início da sua produção de efeitos; trata-se de um exercício legítimo do poder legislativo em prol da certeza jurídica e da correção dos atos normativos, que se projeta sobre o passado; tendo em conta o princípio da equiparação de valor dos atos legislativos, decorrente do artigo 112.º, n.º 2, da Constituição, a norma qualificada pelo legislador como interpretativa tem um valor igual ao da norma interpretada. IV – Existem normas formalmente classificadas pelo legislador como interpretativas que, por serem ino- vatórias, não correspondem à definição material desta figura; encontramos no nosso ordenamento jurídico normas interpretativas em sentido formal e substantivo (“verdadeiras” normas interpretativas) a par de normas apenas formalmente interpretativas (“falsas” normas interpretativas); neste último caso, o legislador, com a aposição desta classificação, faz com que a norma projete os seus efeitos para o passado, desde a entrada em vigor da norma supostamente interpretada; a aprovação de leis apenas formalmente interpretativas será problemática na medida em que se viole uma norma constitucional que proíba a retroatividade, sendo por isso que esta questão se coloca, nomeadamente, no domínio fiscal, onde vigora a regra da proibição da retroatividade no âmbito fiscal. V – Se é certo que uma “verdadeira” norma interpretativa produz, por natureza, efeitos retroativamente, por se aplicar a factos e situações passadas, essa deve ser considerada uma retroatividade meramente formal; como não existe modificação substancial do conteúdo normativo, não existe a suscetibilidade de violação das legítimas expectativas dos cidadãos, nem existe uma situação de retroatividade em sentido próprio, pelo que nos encontramos fora do domínio da proibição constitucional de retroatividade fiscal; no entanto, se a norma aprovada se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente discipli- nados, prescrevendo um regime novo, distinto do vigente, estamos perante uma verdadeira situação de retroatividade (material ou substancial); nesses casos, a classificação como “norma interpretativa” dada pelo legislador representa, afinal, a imposição de um efeito retroativo à nova lei; estas normas criam uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários da norma alegadamente interpre- tada (mas na realidade alterada) não podiam contar, gerando uma frustração da confiança depositada na manutenção da solução que a lei interpretada consagrava; é exatamente para impedir essas situações que o legislador constituinte determinou a regra da proibição da retroatividade no âmbito fiscal, não subsis- tindo dúvidas de que a proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição abrange as leis que apenas formalmente foram classificadas de interpretativas. VI – A verba 17.3.4. da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS) na versão vigente em 2014, fazia referên- cia apenas a «operações financeiras» e a «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros» o que por si só não impunha a conclusão de não incidência das taxas em referência da incidência do Imposto do Selo; todavia, o artigo 3.º, n.º 3, alínea g) , do Código do Imposto do Selo (CIS) estabele- cia que se considerava «titular do interesse económico (…) nas restantes operações financeiras realiza- das por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas», redação que permitia inferir, como o tribunal a quo fez, que as «operações financei- ras» a que se reportava a verba 17.3.4. seriam aquelas que são praticadas entre estas e os clientes, por serem estes os titulares do interesse económico que constituía fundamento para imposição do encargo da tributação, nos termos do artigo 3.º; assim, parecia não existir justificação legal para abranger no âmbito de aplicação da verba as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias – sem envolver os seus clientes – para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funciona- mento do sistema de pagamentos automáticos (como é o caso da “taxa multilateral de intercâmbio” – TMI); para além disso, resulta do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro, que, no

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