TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

165 acórdão n.º 516/20 Na verdade, pelo contrário, é a referida possibilidade de adaptação que permite a satisfação da finali- dade de justiça tributária desejada pelo Estado (José Luís Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, pp. 32-34). Tal racionalização sistémica é elemento essencial, em sede de tutela jurisdicional, quando os contribuintes se veem confrontados com uma cobrança tributária que entendem não ser devida por não estar preenchida a exigência de previsibilidade nos termos suficientemente densificados que o princípio da legalidade fiscal reclama. Contudo, nem sempre se verifica uma relação direta e clara entre uma alegada ofensa à legalidade tri- butária e a referida plasticidade. Mantendo-se os critérios paramétricos antes aprofundados, pode acontecer, também, que se questione a eventualidade de uma distorção significativa dos elementos essenciais dos impos- tos, em termos passíveis de afetar a mencionada previsibilidade. É o caso nos presentes autos, em que não se constata uma nova situação tributável que mereça receber um tratamento em igualdade de condição com outras; mas, sim, da existência de um inequívoco e incontestado facto tributário que recebeu o tratamento tido como legalmente determinado, em termos sistémicos, primeiro pela administração tributária e, depois, pelo juiz, embora contestado pela recorrente. Vejamos. 11. Nestes autos, entende a recorrente que o standard de legitimidade da margem de valoração do sentido normativo dos elementos essenciais da tributação ( maxime , do escopo de incidência), em termos sistemicamente coerentes, foi ultrapassado, em termos que constituem uma violação da CRP. Na sua opi- nião, não resulta da redação aplicável in casu da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC que as deduções ai consagradas estivessem afastadas, no que respeita à coleta de tributações autónomas. Ou seja, a dimensão normativa decorrente da decisão arbitral a quo aqui controlável comportaria uma distorção significativa, ou ilegítima, da ontologia dos elementos essenciais dos impostos, interdita à luz do conteúdo do supra analisado princípio da legalidade fiscal, inscrito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP. Ora, como se viu, o conteúdo da garantia constitucional da tipicidade inclui a suficiente determinação dos elementos essenciais dos impostos, de forma a salvaguardar o contribuinte de qualquer arbitrariedade a sua cobrança. Ocorre que, compulsada a dimensão normativa em crise, relativa à não dedutibilidade de benefícios fiscais ao montante da coleta apurado em sede de tributações autónomas, não se verifica uma transfiguração aleatória, constitucionalmente vedada, quanto à sua cobrança, nos termos da lei. Em consequência, adianta-se, desde já, que o seu sentido se afigura compatível com a exigência de previsibilidade suficiente, imposta em vir- tude do estatuído no artigo 103.º, n.º 3, da CRP e, portanto, não ofende o princípio da legalidade fiscal. Não se vê em que medida haveria de ser diferente, considerando que, conforme é amplamente aceite na jurisprudência nacional, as tributações autónomas se distinguem do IRC, quanto a um importante conjunto de elementos básicos. Como acima se viu, e como salienta a jurisprudência constitucional, designadamente, no citado Acórdão n.º 617/12, são distintos os factos tributários que originam o imposto, a sua natureza – de formação sucessiva, no caso do IRC, e instantânea, no caso das tributações autónomas –, a teleologia da respetiva criação e o inerente critério de avaliação da capacidade contributiva. Assim, sendo as tributações autónomas afiguram-se como extraordinárias (incidentes sobre certos encargos efetuados por sujeitos passi- vos de IRC, e apenas na eventualidade da sua existência) e independentes do rendimento e do resultado do balanço financeiro do contribuinte (lucro tributável), tendo um apuramento próprio e distinto do imposto que sobre este incide – o IRC, em sentido estrito. Logo, sob o ponto de vista do princípio da legalidade e da coerência sistémica, a dedução à coleta aplicável ao IRC (em que se inserem o SIFIDE e CFEI) não se reproduz de forma necessária em sede de tributações autónomas. Neste contexto, a interpretação normativa ora atacada não distorce ou transfigura os elementos essenciais do imposto em causa ao arrepio da imposição constitucional consubstanciada no princípio da legalidade fiscal. Ao não contrariar a configuração dos correspondentes elementos essenciais, tal dimensão de não dedutibilidade não só não fere o sentido constitucional da legalidade fiscal, como pode ser

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