TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

164 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com distintos graus de legitimação democrática e responsabilização pública ( accountability ) que não se coa- dunam, em princípio, com o estabelecimento de institutos tributários, pelas razões explicadas. Isto mesmo tem repetidamente afirmado o Tribunal Constitucional; recorde-se, por exemplo, o disposto no Acórdão n.º 545/15: “a exigência de reserva de lei em matéria tributária, que tem origem no princípio da autotri- butação dos impostos e fundamento justificativo na garantia dos direitos fundamentais dos contribuintes, abrange necessariamente os chamados elementos essenciais dos impostos. Com efeito, o princípio da legali- dade fiscal está expressamente consagrado na Constituição na vertente de reserva material de lei formal: no artigo 168.º, n.º 1, alínea i) , que reserva à exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autori- zação ao Governo, legislar sobre a criação de impostos e sistema fiscal (princípio da reserva de lei formal); e no artigo 103.º, n.º 2, que estabelece que os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (princípio da reserva material)”. Em suma, a caracterização de certo facto como tributariamente relevante e do cálculo do montante de imposto, se algum, sobre ele refletido estão reservados à tipicidade da lei fiscal, em razão da necessidade de se observar o critério da máxima especificação possível, com vista a determinar o cumprimento da obrigação futura, salvaguardando-a de uma eventual transfiguração aleatória por parte dos intérpretes e aplicadores da norma, que seria incompatível com a Constituição da República Portuguesa. 10. Todavia, e uma vez que não é possível a determinabilidade antecipada de toda e qualquer situa- ção que se enquadre nas hipóteses de sujeição à tributação, o postulado da praticabilidade tem, de alguma maneira, relativizado a exigência de uma tipicidade absoluta, em benefício da concreta igualdade fiscal. Con- forme explica Ana Paula Dourado, “a enumeração taxativa conduzirá a uma maior imprecisão, no sentido em que certos rendimentos semelhantes ao ‘paradigma’, ao ‘tipo’ objeto da lei, ficam de fora, e conduzem a um tratamento diferente de situações semelhantes. Neste caso, a lei não cumpre a sua função de verdadeiro critério orientador do intérprete e de garante de um Estado de Direito” (Ana Paula Dourado, O princípio da legalidade fiscal: tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, Almedina, 2007, p. 149). Além disso, e como recorda Sérgio Vasques (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2018, p. 363) “as normas tributárias raramente têm uma só leitura, portanto, e é comum que a letra da lei fiscal nos ofereça várias interpretações possíveis, entre as quais há que decidir lançando mão dos demais elementos de interpretação”. Por esse motivo, a ideia de praticabilidade, ou concordância prática entre as várias normas e princípios jurídico-fiscais, entre si e em relação à realidade fáctica a que devem aplicar-se, convoca o aplicador das normas para uma tarefa de conciliação interpretativa, de forma a imprimir coerência sistémica ao regime tributário. Consequentemente, a atividade hermenêutica dos tribunais – sempre que se defrontem com con- flitos ou dúvidas de natureza normativa no que respeita aos elementos essenciais de um imposto – orienta-se para a busca de um equilíbrio entre segurança, plausibilidade e lógica sistemática das normas e institutos jurídicos mobilizáveis no caso concreto. Esta tem sido, também, a posição do Tribunal Constitucional, em vasta jurisprudência (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n. os  233/94, 756/95, 127/04, 500/09 e 855/14) que admite a necessidade de um espaço aberto à interpretação, em nome da conciliação da ideia de legalidade com outros princípios constitucionalmente relevantes, no plano fiscal. Nas palavras do Acórdão n.º 127/04, “o princípio da igualdade tributária reclama que os conceitos tenham a abertura ou plasticidade semântica suficiente para poder abarcar as realidades que expressam a capacidade tributária elegida, os níveis de riqueza ou de rendimento tributando, e que esse objetivo possa ser realizado não só no plano abstrato da previsão dos tipos tributários, mas também no plano da sua aplicação concreta, em que se situam o combate à eva- são e a praticabilidade do sistema”. Nos termos do Acórdão n.º 756/95, é esta plasticidade que permite “a adaptação ao constante aparecimento de novas situações que, substancialmente iguais a outras já tributadas, não estejam ainda formalmente descritas com precisão” e que procura, também, evitar a fuga aos impostos. Desse balanço resulta uma margem de valoração legítima que não equivale, em absoluto, ao exercício de um poder público arbitrário.

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