TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

163 acórdão n.º 516/20 corretiva, questionada naquele processo, a assunção de um critério inovador, à luz da análise feita, não se veri- ficou qualquer ofensa à proibição da retroatividade fiscal, exteriorização temporal do princípio da legalidade. Com isso, o Acórdão n.º 182/20 não julgou inconstitucional o artigo 9.º, n. os 1 e 2, do Código Civil, na interpretação segundo a qual a norma fiscal que se contém no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, na versão da Lei n.º 3-B/2010, relativa a deduções à coleta do IRC, pode ser objeto de uma interpretação corretiva para efeitos de apuramento do quantum do imposto devido, na parte que resulta da aplicação das taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do mesmo Código. c) Mérito 9. Nessa senda, devemos, em primeiro lugar, densificar o teor do parâmetro constitucional invocado, a fim de confirmar ou infirmar a compatibilidade em relação a ele da norma atacada, consubstanciada no artigo 90.º, n.º 2, alínea c) , do CIRC. Como se sabe, o princípio da legalidade fiscal, previsto pelo artigo 103.º, n.º 3, da CRP, comporta um âmbito formal, o qual estabelece, no regime de competências do Estado, a separação vertical do poder de tributar, atribuído à Assembleia da República, ao Governo, às Autarquias Locais ou às Regiões Autónomas, e um âmbito substancial, que aborda a definição dos elementos essenciais dos impostos. Nos presentes autos, interessa-nos este segundo. A bem dos direitos fundamentais em matéria fiscal, a Constituição exige a previsibilidade de tais ele- mentos, quais sejam, taxa ou alíquota do imposto, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes. Nestes termos, o princípio da legalidade fiscal implica a existência de uma regra de reserva de lei, em três vertentes (normas fiscais que criam impostos; normas de incidência; e normas de garantias dos contribuintes), que implica que o imposto deve “ser desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar nem para discricionariedade administrativa quanto aos seus elementos essenciais” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 1091). Em rigor, a imposição constitucional de conhecimento prévio, pelos contribuintes, das características elementares dos tributos, que se lhes impõem – como forma de suportar o funcionamento do Estado na consecução das suas funções democraticamente designadas, em prol da realização de tarefas fundamentais consagradas na CRP –, representa a subordinação do estrito interesse das finanças públicas, per se, ao escru- tínio, debate público e vontade geral expressa pelos titulares parlamentares do mandato político democrático ( v. g. , “ no taxation without representation ”). Por isso, compete, em primeira linha, ao legislador garantir, com a clareza, a transparência e o controlo inerentes a um Estado (fiscal) de direito, que a obrigação tributária obedece aos critérios de validade, de forma e de conteúdo constitucionalmente desenhados, para que seja possível a cobrança de impostos. Sem prejuízo da abertura autorizada a outras modalidades, a lei é, por exce- lência, o instrumento mais capaz de assim salvaguardar. Com efeito, a ideia subjacente à legalidade tributária, numa perspetiva material, expressa-se, antes de mais, no princípio da tipicidade da lei fiscal, que implica que a obrigação legal-tributária tem de ser determi- nada de forma suficiente quer quanto à sua incidência, quer no seu quantum . Assim, para produzir efeitos, o tipo normativo fiscal delimita, abstratamente, a natureza e a medida do acontecimento económico-social a que pretende atribuir relevância fiscal, consagrando-o como facto tributário, com significado jurídico. Não basta, pois, uma previsão genérica de princípios ou bases gerais, suscetíveis a arbitrariedades; é indispensável abordar, especificamente, a “disciplina normativa destes aspetos” (José Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos , Almedina, 2009, p. 368). Desta forma, fica claro que a finalidade do comando constitucional de garantia da legalidade fiscal é, por um lado, acautelar a estabilidade e a segurança da legítima expetativa que contribuintes depositam no Estado quanto à imposição de obrigações jurídicas com repercussões na sua capacidade patrimonial; e, ao mesmo tempo, afastar o risco de usurpação da legitimidade democrática inserta nas instâncias de representação política por parte de outros órgãos do Estado, investidos de atribuições de igual dignidade e relevo, porém

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