TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
162 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento perce- bido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da des- pesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo. Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do con- junto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa». Esta caraterização – designadamente, a distinção entre os factos geradores do IRC e das tributações autónomas, enquanto impostos de distinta natureza – tem, naturalmente, relevância jurídico-constitucional, e será tomada em consideração na análise da norma questionada no presente recurso. 8. Quanto à questão da interpretação da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC no sentido de excluir do âmbito de aplicação da norma a parte da coleta que resulta da aplicação das taxas de tributação autónoma, importa recordar o que disse o Tribunal Constitucional no recente Acórdão n.º 182/20. Estava, então, em causa a compatibilidade com o princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, do critério normativo extraído dos n. os 1 e 2 do artigo 9.º, do Código Civil que sustentou o sentido interpre- tativo adotado pela decisão recorrida naquele processo, segundo o qual a dedução à coleta de IRC pode ser objeto de interpretação corretiva para se apurar o montante do imposto devido, no que toca à aplicação das taxas de tributação autónoma. Como se vê, a questão passava por delinear os efeitos e limites do exercício interpretativo de que estão imbuídos os tribunais enquanto agentes da autoridade jurisdicional do Estado, no âmbito do seu poder-dever de determinação da lei aplicável, de entre todo o universo de normas abstrata e alegadamente mobilizáveis para resolução da questão jurídica controvertida. Nessa lógica, entendeu-se, na decisão citada, que “uma vez satisfeitas as exigências mínimas de determinabilidade que cingem a liberdade de conformação do legislador, não há como não admitir que as leis que versam sobre a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes carecem irremediavelmente, como todas as leis, de interpretação e que esta nunca pode gerar uma confiança absoluta na previsibilidade dos seus resultados” (ponto 18 do Acórdão n.º 182/20). Considerou, na ocasião, o Tribunal Constitucional que “a verdadeira segurança reside na inteligibilidade e prestabilidade de todos meios disponíveis para assegurar que o processo interpretativo seja racionalmente ordenado à obtenção dos resultados materialmente mais adequados”. Assim, decidiu o Tribunal Constitucional que do princípio constitucional da legalidade tributária não deflui uma incompatibilidade automática e necessária relativamente à inferência de uma interpretação corre- tiva do apropriado sentido da lei, desde que se tenha, nesse âmbito, efetivado a tutela jurisdicional, pautada por todas as suas garantias constitucionalmente inerentes. Nesse pressuposto, não implicando a interpretação
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