TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
158 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 48.º Também é irrelevante o argumento que, se lex generalis non derrogat lex specialis , a lei estabelecendo o benefício não poderia ser afetada pela que estabelece a não dedução, e o argumento não é procedente visto qual- quer benefício que dê origem à dedução estar compreendido na categoria geral estabelecida na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC e, portanto, o respetivo tratamento é o tratamento dos benefícios em geral incluídos nesse preceito, sejam ou não incentivos, e que se deixou assinalado, como resultado da harmonização dos interesses envolvidos. 49.º Aliás, inicialmente as TA não foram incluídas no CIRC, quando, depois, se poderia ter tido a ideia da respetiva dedutibilidade, nunca tal aconteceu, e só posteriormente ( i. e. , com o CAAD) passou a ser objeto de controvérsia, não se tendo caído, pois, na uniformidade contrária. 50.º Não se afigura, pois, necessária qualquer lei interpretativa para se atingir o entendimento da não dedutibili- dade do elencado no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à coleta das TA. [Destacado] 51.º A norma aqui sindicada, ao estabelecer o carácter interpretativo da nova redação ao do n.º 21 do artigo 88, é totalmente clara em abranger todo o n.º 21 (aliás, a respetiva parte final é que resolve a putativa e artificial controvérsia criada exclusivamente pelo CAAD), não podendo, portanto, ser limitado o seu comando, salvo se não ocorrer o condicionalismo para tal exigido, o que não sucede. 52.º Como resulta do acervo interpretativo deste Tribunal, exclui-se do âmbito aplicativo desse princípio as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, o que, desde logo, significa que a norma constitucio- nal não afasta todo e qualquer tipo de retroatividade. 53.º A irretroatividade fiscal é uma manifestação do princípio da segurança jurídica ou da confiança inscrito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP). 54.º Daí que, casuisticamente, há necessidade de avaliar e ponderar devidamente o interesse privado dos con- tribuintes com o interesse público que justifica agravamentos fiscais com um certo grau de retroatividade. 55.º Com efeito, o conceito de retroatividade previsto no supra citado n.º 3 do artigo 103.º da CRP, e que decorria já do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica (cfr. artigo 2.º da CRP), não é unívoco, tendo vindo a ser estratificado em 3 segmentos pela doutrina e pela jurisprudência. 56.º A jurisprudência deste Tribunal tem entendido que a retroatividade proibida pelo, n.º 3 do artigo 103.º da CRP é a retroatividade própria ou autêntica, ou seja, que aquele preceito constitucional visa apenas proteger as situações que se traduzem na aplicação da lei nova a factos anteriores à sua entrada em vigor (vide Acórdãos n.º 128/09, n.º 85/10 e n.º 399/10). 57.º Resulta, assim, que a jurisprudência do Tribunal Constitucional entende que o artigo 103.º, n.º 3, da CRP, apenas proíbe a retroatividade autêntica, não abrangendo os casos em que, não obstante o facto tributário ter ocorrido ao abrigo da lei antiga, ainda continua a produzir efeitos na vigência na lei nova – retroatividade de 2.º grau –, nem tão-pouco abrangendo os casos em que o facto tributário ainda está em formação – retroatividade de 3.º grau. Destarte, o momento relevante para a determinação do carácter retroativo da lei fiscal, à luz do precei- tuado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, é o momento da verificação do facto tributário, pelo que, será de considerar retroativa a lei que atinja esse facto retrospetivamente em relação ao momento da sua entrada em vigor. 58.º Assim, relevante para aferição da retroatividade da lei fiscal, e, por conseguinte, do respetivo grau de retroatividade, é o facto tributário e o momento em que ocorre. Ora no caso em apreço a inexistência de expec- tativas jurídicas ou de manutenção do regime legal pretensamente controverso é incontornável, porquanto até a própria a norma em causa regula a matéria do pagamento do imposto liquidado, não contendendo com a sua incidência ou quantificação da própria coleta. 59.º Nos chamados casos de retroatividade falsa ou imprópria, o grau de confiança suscitado nos contribuintes e a relevância do mesmo não pode deixar de ser ponderado ao nível da proporcionalidade. 60.º No caso das normas fiscais interpretativas materiais – as que visam solucionar a incerteza de lei anterior, situando-se dentro dos quadros da controvérsia, com um conteúdo que o julgador ou intérprete a ela pudesse chegar, sem ultrapassar os limites típicos impostos à interpretação e aplicação da lei – não se pode dizer que a confiança dos contribuintes no sentido da norma interpretada gera expectativas legítimas da sua continuidade no ordenamento jurídico.
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