TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL observar o critério da máxima especificação possível, com vista a determinar o cumprimento da obri- gação futura, salvaguardando-a de uma eventual transfiguração aleatória por parte dos intérpretes e aplicadores da norma, que seria incompatível com a Constituição da República Portuguesa. IV – A ideia de praticabilidade, ou concordância prática entre as várias normas e princípios jurídico-fiscais, entre si e em relação à realidade fática a que devem aplicar-se, convoca o aplicador das normas para uma tarefa de conciliação interpretativa, de forma a imprimir coerência sistémica ao regime tributá- rio; a atividade hermenêutica dos tribunais – sempre que se defrontem com conflitos ou dúvidas de natureza normativa no que respeita aos elementos essenciais de um imposto – orienta-se para a busca de um equilíbrio entre segurança, plausibilidade e lógica sistemática das normas e institutos jurídicos mobilizáveis no caso concreto, resultando desse balanço uma margem de valoração legítima que não equivale, em absoluto, ao exercício de um poder público arbitrário; pelo contrário, é a referida possi- bilidade de adaptação que permite a satisfação da finalidade de justiça tributária desejada pelo Estado. V – Compulsada a dimensão normativa em crise, relativa à não dedutibilidade de benefícios fiscais ao mon- tante da coleta apurado em sede de tributações autónomas, não se verifica uma transfiguração aleatória, constitucionalmente vedada, quanto à sua cobrança, nos termos da lei; as tributações autónomas distin- guem-se do IRC, quanto a um importante conjunto de elementos básicos: são distintos os factos tribu- tários que originam o imposto, a sua natureza – de formação sucessiva, no caso do IRC, e instantânea, no caso das tributações autónomas –, a teleologia da respetiva criação e o inerente critério de avaliação da capacidade contributiva; as tributações autónomas afiguram-se como extraordinárias (incidentes sobre certos encargos efetuados por sujeitos passivos de IRC, e apenas na eventualidade da sua existência) e independentes do rendimento e do resultado do balanço financeiro do contribuinte (lucro tributável), tendo um apuramento próprio e distinto do imposto que sobre este incide – o IRC, em sentido estrito. VI – Logo, sob o ponto de vista do princípio da legalidade e da coerência sistémica, a dedução à coleta aplicável ao IRC [em que se inserem o Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI)] não se reproduz de forma neces- sária em sede de tributações autónomas; neste contexto, a interpretação normativa ora atacada não dis- torce ou transfigura os elementos essenciais do imposto em causa ao arrepio da imposição constitucional consubstanciada no princípio da legalidade fiscal; ao não contrariar a configuração dos correspondentes elementos essenciais, tal dimensão de não dedutibilidade não só não fere o sentido constitucional da legalidade fiscal, como pode ser justificada com base na coerência do próprio instituto das tributações autónomas e as finalidades que, com a sua consagração, o legislador legitimamente visa prosseguir. VII – Como o Tribunal Constitucional entendeu noutro Acórdão, «(...) a interpretação corretiva da lei fiscal não é, em si mesma ou em toda a sua extensão, necessária e automaticamente incompatível com o princípio da legalidade tributária”, sendo, por isso, “inequívoco que a violação de tal princípio não ocorrerá nas hipóteses em que a interpretação corretiva da lei tenha servido apenas para afastar ou excluir o sentido que mais imediatamente decorreria da relevância gramatical do enunciado em bene- fício daquele que, apesar de corresponder a uma utilização menos imediata dos elementos linguísticos em causa, o texto da lei não exclui de forma categórica ou inequívoca»; há boas razões para entender que foi precisamente o que fez o intérprete da norma questionada, afastando o sentido literal da nor- ma, em favor de uma interpretação que, não sendo incompatível com o texto legal, se lhe afigurou mais compatível com outros elementos interpretativos, designadamente, o sistémico e o teleológico, não ofendendo o princípio da legalidade fiscal.
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