TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
145 acórdão n.º 496/20 O que o recorrente pretende, em suma, é que este Tribunal confronte aquela norma regulamentar com os preceitos legais habilitantes, no sentido de apreciar se a norma sindicada viola estes últimos – isto é, se padece do vício de ilegalidade – para, considerando verificado tal vício, concluir que há violação das normas constitucionais que estabelecem uma relação hierárquica entre lei e regulamento nos termos de a primeira preceder necessariamente e preferir aos segundos. Ora, esta legalidade-limite relativamente ao direito infralegal decorre da Constituição (cfr. os artigos 199.º, alíneas c) e e) , 112.º, n.º 7, e 266.º, n.º 2, todos da Constituição; vide o ponto 4 da decisão sumária reclamada). A mesma constitui o pressuposto da própria ilegalidade ; daí ela não ser direta e imediatamente afrontada pela ocorrência de violações de leis por ato infralegais. É-o apenas indiretamente, ou seja, por via da violação do ato legislativo por ato que, em razão da preferência inerente àquela dimensão de limite, o deveria respeitar. Fala-se, então, de simples inconstitucionalidade indireta. 5. Por outro lado, e conforme resulta do respetivo teor, o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição constitui uma norma de ação dirigida exclusivamente ao legislador, não à Administração. Consequentemente, a Por- taria n.º 282/2014 jamais poderia violar tal preceito (cfr. o ponto 5 da decisão ora reclamada). No que se refere à invocada violação do n.º 7 do mesmo artigo por parte da Portaria ora em análise, para além de a hipotética existência de uma violação não se poder reportar especificamente ao artigo que integra o objeto material do recurso de constitucionalidade – ou seja, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 –, certo é que esta última cumpre o comando constitucional, especificando o seu preâmbulo que a mesma é emanada «ao abrigo do n.º 3 do artigo 2.º do [CFI], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, e nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 2.º do mesmo Código». 6. Alega ainda a recorrente que imputou à norma do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 outro vício de inconstitucionalidade decorrente de a mesma norma disciplinar matéria relativa ao campo de incidência dos benefícios fiscais, invadindo por isso o âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, contrariando o disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) , da CRP [cfr. conclusões 2, ponto (ii) , e 19 a 22 da reclamação]. Nesse sentido, defende que tal vício se traduz uma preterição direta de uma norma constitucional relativa a matérias de reserva de lei, a qual, não só é independente do vício de desconformidade constitucional previamente descrito, como não pode deixar de ser compreendida no escopo de competências deste Tribunal. Também nesta parte as razões invocadas pela recorrente não abalam os fundamentos em que assentou a decisão reclamada. Com efeito, conforme se salientou em tal decisão (cfr. o ponto 3 da mesma), o presente recurso tem por objeto «o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, na parte em que altera/restringe/ revoga o conteúdo do artigo 2.º, n.º 2, do CFI» (cfr. o ponto 8 do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade). Acresce que o problema de constitucionalidade colocado pela recorrente assenta na circunstância de o artigo 2.º da citada Portaria, ao indicar os CAE correspondentes às atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, omitir a indicação do CAE referente ao sector das telecomunicações e, em face disso, segundo a recorrente, “ alterar/restringir/revogar ”, por via regulamentar, as atividades elegíveis para efeitos de concessão de benefício fiscal, uma vez que o sector das telecomunicações se encontra previsto, para esse efeito, na alínea g) do mencionado preceito do CFI. Contudo, e como demonstrado supra no ponto 3, a invocada violação dos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição decorrente de tal omissão só existiria porque, previamente, segundo a pers- petiva da ora reclamante, a lei incluiu a atividade económica omitida entre aquelas que deveriam beneficiar de um tratamento fiscal mais favorável. A invocada inconstitucionalidade decorre, assim, imediata e necessariamente da (alegada) contradição com a lei.
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