TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

143 acórdão n.º 496/20 deriva da inconstitucionalidade da respetiva norma legal subordinante (artigo 2.º, n.º 2 do CFI), a qual não con- voca dúvidas de conformidade face à Lei Fundamental; 9. Razão pela qual a CRP configura o parâmetro imediato de fiscalização concreta da disposição regulamentar objeto do presente recurso, existindo entre tais diplomas (CRP e Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro) uma antinomia direta e imediata e, portanto, passível de apreciação nesta sede; […] 12. Com efeito, caso assim não se entendesse – o que tão-somente se admite por dever de patrocínio, sem, no entanto, conceder –, sempre se permitiria ao Governo, nos exercício da sua função administrativa, desatender a determinadas normas constitucionais – no caso, ao regime ínsito nos artigos 112.º, n. os 5 e 7, e 199.º, alínea e) , da CRP –, furtando-se ao crivo desse Douto Tribunal (órgão incumbido de administrar a justiça em matérias jurídi- co-constitucionais) (cfr. artigo 221.º da CRP); 13. Isto é, consentir-se-ia ao Governo a aprovação de disposições regulamentares em violação de normas cons- titucionais sem que esse Douto Tribunal – a quem foi acometido o dever de apreciação de matérias do foro cons- titucional – pudesse obstar a tal atuação desconforme à própria Lei Fundamental, o que sempre se reputaria assaz incongruente; 14. Adotando o entendimento exposto na decisão sumária reclamada, tal incongruência resulta potenciada conquanto se tenha presente que, caso fosse a própria lei a violar aquelas disposições constitucionais ( e. g. caso os artigos 2.º, n.º 2 e 22.º a 26.º do CFI admitissem expressamente a sua alteração, restrição ou revogação por diploma regulamentar), esse Douto Tribunal já disporia de competência para aferir da compatibilidade de tal contenda constitucional; 15. Por conseguinte, tal interpretação consente que diplomas regulamentares que violem os artigos 112.º, n.º 5 e 7, e 199.º, alínea c) , da CRP não sejam passíveis de apreciação por esse Douto Tribunal, mas, ao invés, que leis que incorram precisamente no mesmo vício o sejam; 16. Posto de outro modo, não pode tolerar-se a um diploma regulamentar o que não se tolera à própria lei – i. e. , que infrinja determinadas disposições constitucionais [quais sejam, os artigos 112.º, n.º 5 e 7, e 199.º, alínea c) , da CRP] sem que tal infração seja passível de apreciação por esse Douto Tribunal, o que de modo algum sucederia se tal infração decorresse diretamente da própria lei; 17. Na prática, a posição espelhada na decisão sumária gera, de modo artificial, um incentivo a que, optando o poder executivo por afrontar aquelas disposições constitucionais, o faça de modo menos transparente, inscre- vendo essa afronta diretamente no ato regulamentar, desse modo garantindo que a sua atuação (desconforme à Lei Fundamental) não estará sujeita ao crivo do órgão incumbido de garantir a rigorosa aplicação da CRP: esse Douto Tribunal; 18. Por todo o exposto, nas situações em que a lei habilitante não padece de desconformidade constitucional por preterição do regime ínsito nos artigos 112.º, n. os 5 e 7, e 199.º, alínea e) , da CRP, impõe-se julgar que as normas regulamentares que violem, per se e de modo primário, tais disposições constitucionais comportam uma violação direta – e não indireta, reflexa ou derivada – da Lei Fundamental, recaindo no role de competências desse Douto Tribunal; 19. Acresce que, tal como antecipado supra , para além da violação daquelas disposições, a ora Reclamante invocou ainda a violação do princípio da legalidade formal, assente na preterição dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) , da CRP, relativo à reserva de lei para aprovar disposições em matéria de benefícios fiscais; 20. Tal como decorre do transcrito – e, expectavelmente, se pormenorizará em sede de alegações –, tal violação resulta da circunstância de a norma regulamentar em apreço se imiscuir ilegalmente na definição dos elementos essenciais do benefício em análise, restringindo o seu escopo e, desse modo, moldando a sua tipologia ao arrepio dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) , da CRP; 21. Pelo exposto, no que respeita à violação dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) , da CRP, resulta claro que esta traduz uma preterição direta de uma norma constitucional relativa a matérias de reserva de lei, a qual, não só é independente do vício de desconformidade constitucional previamente descrito, como não pode deixar de ser compreendida no escopo de competências desse Douto Tribunal;

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