TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

141 acórdão n.º 496/20 «3. A recorrente indica como objeto do recurso por si interposto «o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, na parte em que altera/restringe/revoga o conteúdo do artigo 2.º, n.º 2, do CFI» (cfr. o ponto 8.º do respetivo requerimento). [A recorrente] considera que o artigo 2.º da citada Portaria, ao indicar a correspondência das atividades eco- nómicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, aos códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas aplicável (CAE-Ver.3), omitindo o sector das telecomunicações, “altera/restringe/revoga”, por via regulamentar, as ativida- des elegíveis para efeitos de concessão de benefício fiscal. Com efeito, o sector das telecomunicações encontra-se previsto, para esse efeito, na alínea g) do mencionado preceito do CFI. Por isso, entende a recorrente que aquele artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 viola os artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n. os 5 e 7, 165.º, n.º 1, alínea i) , e 199.º, alínea e) , da Constituição (cfr. o pontos 2.º, 7.º e 8.º do requerimento de recurso). 4. Não obstante, o vício apontado pela recorrente assenta, em bom rigor, na circunstância de a norma regula- mentar em causa, ao omitir qualquer referência ao sector das telecomunicações, contrariar, na ótica da recorrente, o disposto no CFI relativamente às atividades elegíveis para efeitos de concessão do benefício fiscal. Ou seja, o pro- blema de constitucionalidade colocado pela recorrente pressupõe a incompatibilidade daquele artigo 2.º da Porta- ria n.º 282/2014 com o referido artigo 2.º, n.º 2, alínea g) , do CFI e, somente por via disso, com a Constituição. Com efeito, para além da referência expressa à circunstância de a inconstitucionalidade do artigo 2.º da Porta- ria n.º 282/2014 respeitar à «parte em que altera/restringe/revoga o conteúdo do artigo 2.º, n.º 2, do CFI» (cfr. o ponto 8.º do requerimento de recurso), a recorrente invoca, entre o mais, a violação dos artigos 112.º, n. os 5 e 7, e 199.º, alínea c) , da Constituição. Através deste artigo 199.º, alínea c) , a Constituição atribui ao Governo competência para, no exercício de fun- ções administrativas, “fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis”, sendo que os regulamentos estão sujeitos ao princípio da legalidade da Administração (cfr. artigo 266.º, n.º 2, do mesmo normativo). Assim, se é certo que o poder regulamentar da Administração tem como fundamento, no plano geral, direta e imediatamente a Constituição, é também inequívoco que cada regulamento em particular terá de fundar-se numa lei habilitante, conforme decorre do artigo 112.º, n.º 7, não podendo o regulamento contrariar a lei, designadamente a lei que o mesmo visa regulamentar ou ao abrigo da qual foi emitido, por força do princípio da prevalência da lei (cfr., a este respeito, o Acórdão n.º 113/88). Por outro lado, o n.º 5 do referido artigo 112.º, cuja violação é também invocada pela recorrente, estabelece que a própria lei não pode «conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos». Em suma, deste conjunto de preceitos constitucionais, que estabelecem a primazia normativa da lei sobre o pre- ceito regulamentar, decorre que, em caso de divergência entre este último e a lei, estamos perante uma ilegalidade e ou perante uma inconstitucionalidade indireta (em que a violação da Constituição ocorre porque, em primeira linha, existe uma violação de um preceito constante de um ato normativo infraconstitucional). É precisamente o que se verifica no presente caso, em que, subjacente à questão colocada, está uma alegada des- conformidade entre o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 e o artigo 2.º, n.º 2, do CFI (que, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 161.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição, criou determinado benefício fiscal, remetendo para portaria do Governo os códigos de atividade económica correspondentes às atividades nele referidas). Isto é, invoca-se, em primeira linha, uma violação direta da lei pela portaria, o que, indiretamente, acarretaria o desrespeito do referido princípio constitucional da primazia ou preferência normativa da lei sobre o preceito regulamentar. Ora, estando-se perante um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – norma que a recorrente invoca no seu requerimento de interposição do recurso – o Tribunal Constitucional apenas conhece de questões de inconstitucionalidade, o que, conforme referido, não é, o caso. Por outro lado, embora no sistema português de fiscalização de constitucionalidade esteja também atribuída ao Tribunal Constitucional a competência para apreciação de determinadas e específicas ilegalidades “qualificadas”, reportadas a normas constantes de determinados diplomas, tais situações são apenas as tipificadas nas alíneas do artigo 280.º, n.º 2, da Constituição, a que correspondem as alíneas c) , d) , e) e f ) , do n.º 1, do artigo 70.º da LTC.

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