TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

136 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, decorrido o período de cessão, não existem garantias de que o devedor insolvente tenha melho- rado substancialmente a sua capacidade de obter rendimentos, ao menos em termos equivalentes aos que legitimam, no âmbito do regime do apoio judiciário, o cancelamento da proteção jurídica e exigência ao beneficiário do pagamento de custas de que foi dispensado, integral ou parcialmente, a saber, a aquisição superveniente, pelo requerente ou respetivo agregado familiar, de «meios suficientes» para dispensar o bene- fício [artigo 16.º, n.º 1, alínea a) , da Lei n.º 34/2004]. Pelo contrário, o funcionamento do mecanismo de cedência, e a sua imputação nos termos estipulados no artigo 241.º, n.º 1, do CIRE, é de modo a fazer espe- rar que a condição de melhor fortuna permitirá extinguir pelo pagamento o remanescente da taxa de justiça e encargos da responsabilidade do devedor insolvente. Quando tal não sucede, sendo parco ou inexistente o rendimento disponível suscetível de cessão (artigo 239.º, n.º 3), estamos, como os presentes autos ilustram, perante a manutenção de um quadro de baixos rendimentos, nos limites do razoavelmente necessário para sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar [artigo 239.º, n.º 3, alínea b) , i) ]. Exigir, mesmo que em prestações, perante tal quadro de carência de rendimentos, ao sujeito processual, o paga- mento do remanescente de custas e encargos que a massa insolvente e o período de cinco anos não permitiu satisfazer, significa recolocar o devedor na mesma situação de incapacidade que fundou a sua apresentação à insolvência, e inviabilizar o desiderato de criação de condições para uma nova vida económica ( fresh start ), a que está votada a exoneração do passivo restante, o que constitui, materialmente, frustração do seu direito à justiça por motivo de insuficiência de meios económicos. 13. Por outro lado, a solução normativa em exame também merece censura à luz do princípio da igual- dade, pela discriminação que opera relativamente aos devedores que requeiram e vejam concedida a exonera- ção do passivo restante face aos demais devedores que não impulsionem esse instituto. Como referido supra , e assinalado na decisão recorrida, ao direito a obter uma decisão justa e equitativa para a tutela da respetiva posição jurídico-subjetiva de quem reúne os requisitos para uma tal libertação patrimonial, associa o legisla- dor, em caso de insuficiência da massa insolvente, a permanência da responsabilidade por custas e encargos dessa categoria de devedores, impondo-lhes, mesmo em caso de insuficiência económica (no quadro dos critérios legais que definem o que deve entender-se por tal insuficiência), o pagamento dessas quantias e cor- respondente sacrifício patrimonial. Diferentemente, os demais devedores decretados insolventes, que esco- lham não requerer o benefício da exoneração do passivo restante ou não reúnam os respetivos pressupostos, nunca são chamados a suportar qualquer montante, a título de custas e encargos, as quais recaem unicamente sobre a massa insolvente [artigos 51.º, n.º 1, alíneas a) e b) , e 304.º do CIRE], qualquer que seja a evolução do respetivo património nos anos subsequentes ao decretamento da insolvência. Opera-se, pois, na norma em exame, uma desvantagem infundada dos requerentes da exoneração do passivo restante, onerados por presunção de capacidade económica que não têm meios de ilidir através do instituto do apoio judiciário, diferenciação que se tem como ofensiva da proibição das discriminações com base nas categorias subjetivas contidas no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição, na vertente da proibição de discriminação fundada na situação económica do sujeito. 14. Assim sendo, é de concluir que a dimensão normativa em exame não garante o acesso à justiça, com referência ao incidente de exoneração do passivo restante, por parte daqueles que careçam de meios económicos suficientes para suportar os encargos inerentes ao respetivo desenvolvimento processual, ofen- dendo a garantia de não denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, e comporta tratamento discriminatório ilegítimo fundado na situação económica do sujeito, violando os artigos 20.º, n.º 1, e 13.º, n.º 2, da Constituição.

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