TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
135 acórdão n.º 489/20 Mas se é assim, temos que a igualdade de oportunidades no acesso à justiça que releva é uma igualdade material referida aos elementos pertinentes do sistema de justiça que são suscetíveis de impedir ou dificultar a motivação do cidadão de recorrer a ela, na defesa dos seus direitos e interesses legítimos, decorrendo, desde logo, do art.º 13.º, n.º 2, da Constituição. E perante o nosso sistema de justiça são, essencialmente, dois os fatores que são suscetíveis de motivar os cida- dãos no acesso e utilização dos sistema de justiça: a possibilidade de motivar os cidadãos: a possibilidade económica de suportar os honorários do patrono jurídico ou judiciário e a de arcar com as custas da respetiva ação judicial, no caso de se ter de recorrer a juízo. Daí que a previsão do benefício, por parte do legislador ordinário, se traduza nas modalidades de informação jurídica e de proteção jurídica, decompondo-se esta, por seu turno, na consulta jurídica e no apoio judiciário (cfr. art. os 4.º e 6.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho).» Deve, então, concluir-se pela ilegitimidade constitucional de medida «sempre que, por insuficiência de [meios económicos», o cidadão pudesse ver frustrado o seu direito à justiça, tendo em conta o sistema jurídi- co-económico em vigor para o acesso aos tribunais na ordem jurídica portuguesa», pois a Constituição, «indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos tribunais», propõe-se «afastar neste domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos, determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo para denegação da justiça» (Acórdão n.º 602/06). 12. A esta luz, a interpretação normativa efetuada pelo tribunal a quo do preceituado no n.º 4 do artigo 248.º do CIRE oferece motivos de censura constitucional, pela desproteção – e decorrente afastamento material do acesso ao sistema de justiça – que acarreta para o devedor exonerado do passivo restante na parte não amparada pelo mecanismo do diferimento do pagamento das custas. Com efeito, a limitação à concessão do benefício do apoio judiciário mostra-se racionalmente justificada nos casos em que o devedor não se encontra obrigado a pagar qualquer taxa de justiça ou encargos, designa- damente pela atuação do mecanismo de diferimento do pagamento das custas até à decisão final do pedido de exoneração passivo restante. Como é bom de ver, afastada a exigibilidade de qualquer pagamento a título de taxa de justiça ou encargos, o devedor que requeira simultaneamente a declaração de insolvência e a exo- neração do passivo restante não carece do benefício do apoio judiciário nas modalidades em que a prestação consiste, justamente, na dispensa, total ou parcial, de tais pagamentos. A mesma solução preside, aliás, aos casos em que o legislador estabelece isenção de custas (artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais), relativamente aos quais não tem cabimento, por desnecessidade, a concessão ao interveniente processual isento do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa ou pagamento faseado das custas. Perma- nece, apenas, a carência da modalidade de apoio judiciário tendo com objeto a representação forense, sem a qual estaria impedida de pleitear em juízo a parte desprovida de meios económicos, incluindo o pagamento pelo Estado dos respetivos honorários. Sucede, todavia, e ao contrário do que acontece com os casos de isenção, que o benefício concedido ao devedor insolvente que deduziu pedido de exoneração do passivo restante é apenas temporário, comportando não mais do que um diferimento; projeta, desse modo, o legislador, a exigibilidade e o cumprimento de tais obrigações de cariz pecuniário para momento posterior, uma vez concedida a exoneração do passivo restante e retomada a sua habilitação legal para a prática de atos que atinjam o seu património [o seu património é gerido em primeira linha pelo administrador de insolvência e, subsequentemente, pelo fiduciário, cabendo a cada um deles, na fase respetiva, efetuar o pagamento de dívida, mormente de dívidas resultantes de custas judiciais, nos termos do artigos 55.º, n.º 1, alínea a) , e 241.º, n.º 1, alínea a) , ambos do CIRE], mas fá-lo sem margem de aferição da suficiência da situação económica do devedor nessa fase da sua vida patrimonial para fazer face ao remanescente das custas judiciais.
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