TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL salvaguarda dos meios de sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, consagrado no artigo 239.º, n.º 3, alínea b) , inciso i) , do CIRE. Neste quadro normativo, feita a liquidação da dívida remanescente, atinente a taxa de justiça e encargos, e notificada a parte para a pagar, com subsequente invocação por esta de que lhe havia sido concedido apoio judiciário, na modalidade de dispensa de tal pagamento, entendeu o tribunal a quo que esse benefício não podia ser reconhecido na fase do processo em questão, por a tal obstar o disposto no n.º 4 do artigo 248.º do CIRE. Na expressão da decisão recorrida, a norma legal deve ser tida como aplicável a casos como o presente, e interpretada como vedando, de forma absoluta e liminar, o benefício do apoio judiciário ao requerente de exoneração do passivo restante, salvo na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono, incluindo nos casos previstos no n.º 1 do mesmo preceito, ou seja, nas hipóteses em que, proferida a decisão final sobre esse pedido, persistem em dívida montantes de taxa de justiça e encargos. Cabe observar que a aplicabilidade desse regime a tais casos, designadamente da norma restritiva da primeira parte do n.º 4 do preceito, tem sido discutida na jurisprudência, obtendo resposta maioritariamente negativa, de que são exemplo os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 6 de fevereiro de 2018 (Proc. n.º 749/16.6 T8OAZ.P2), de 13 de junho de 2018 (Proc. n.º 1525/12.0TBPRD.P1), de 11 de setembro de 2018 (Processo n.º 1825/12.0TBPRD.P1), de 25 de setembro de 2018 (Processo n.º 2075/12.0TBFLG. P1), de 15 de novembro de 2018 (Processo n.º 1741/11.2TBLSD-C.P1), de 15 de novembro de 2018 (Pro- cesso n.º 2079/12.3TJPRT.P1) e de 11 de abril de 2019 (Processo n.º 3933/12.8TBPRD.P1), o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21 de novembro de 2019 (Processo n.º 1780/13.9TBOLH.E1), e os acór- dãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de maio de 2012 (Processo n.º 1617/11.3TBFLG.G1) e de 10 de maio de 2018 (Processo n.º 2645/13.0TBBRR.L1-6), todos acessíveis em www.dgsi.pt . Em sentido contrário posicionou-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de novembro de 2018 (Processo n.º 944/12.7 TBAMT.P1), acessível no mesmo sítio. Não cabe, porém, a este Tribunal tomar posição sobre a correção da determinação do direito infraconstitucional aplicável, impondo-se nesta sede de fiscalização concreta tomar o entendimento adotado pelo tribunal a quo como um dado. Certo é que, nesse pressuposto, entendeu-se na decisão recorrida que um tal sentido normativo ofende os princípios da igualdade e do acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, com referência aos artigos 13.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição, por comportar denegação de acesso à justiça e tratamento discri- minatório do requerente de exoneração de passivo restante que padeça de insuficiência de meios económicos para satisfazer a tributação e encargos processuais, face aos requerentes da declaração de insolvência que não formulem idêntico pedido. 11. O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição consagra o princípio de que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, estabelecendo a garan- tia de que a justiça não pode ser denegada a quem não disponha de meios económicos para suportar os custas da litigância. Desse modo, sem consagrar a gratuidade dos serviços de justiça, a Lei Fundamental é incom- patível com tributação processual que, pela sua onerosidade, impeça ou dificulte de forma desproporcionada o acesso aos tribunais, ao mesmo tempo que impõe ao legislador a consagração de um sistema adequado de apoio judiciário, injunção a que o regime do acesso ao direito e aos tribunais, regulado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, procura dar cumprimento. É vasta a jurisprudência do Tribunal sobre a dimensão prestacio- nal do instituto do apoio judiciário. Diz-se, entre muitos outros, no Acórdão n.º 441/08: «Trata-se, deste modo, de um instrumento jurídico-financeiro que dá cumprimento à dimensão “prestacional” compreendida naquele direito fundamental, devendo cumprir a função constitucional de “garantir uma igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação económica dos interessados”, como tem sido reconhecido em vários momentos pelo Tribunal Constitucional (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n. os 433/87 e 352/91).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=