TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

127 acórdão n.º 489/20 e retomada a sua habilitação legal para a prática de atos que atinjam o seu património, mas fá-lo sem margem de aferição da suficiência da situação económica do devedor nessa fase da sua vida patrimo- nial para fazer face ao remanescente das custas judiciais; decorrido o período de cessão, não existem garantias de que o devedor insolvente tenha melhorado substancialmente a sua capacidade de obter rendimentos, ao menos em termos equivalentes aos que legitimam, no âmbito do regime do apoio judiciário, o cancelamento da proteção jurídica e exigência ao beneficiário do pagamento de custas de que foi dispensado, integral ou parcialmente; pelo contrário, o funcionamento do mecanismo de cedência, e a sua imputação nos termos estipulados no artigo 241.º, n.º 1, do CIRE, é de modo a fazer esperar que a condição de melhor fortuna permitirá extinguir pelo pagamento o remanescente da taxa de justiça e encargos da responsabilidade do devedor insolvente; quando tal não sucede, sendo parco ou inexistente o rendimento disponível suscetível de cessão, estamos perante a manutenção de um quadro de baixos rendimentos, nos limites do razoavelmente necessário para sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar; exigir, mesmo que em prestações, perante tal quadro de carência de rendimentos, ao sujeito processual, o pagamento do remanescente de custas e encargos que a massa insolvente e o período de cinco anos não permitiu satisfazer, significa recolocar o deve- dor na mesma situação de incapacidade que fundou a sua apresentação à insolvência, e inviabilizar o desiderato de criação de condições para uma nova vida económica ( fresh start ), a que está votada a exoneração do passivo restante, o que constitui, materialmente, frustração do seu direito à justiça por motivo de insuficiência de meios económicos. VII – A solução normativa em exame também merece censura à luz do princípio da igualdade, pela discri- minação que opera relativamente aos devedores que requeiram e vejam concedida a exoneração do passivo restante face aos demais devedores que não impulsionem esse instituto; ao direito a obter uma decisão justa e equitativa para a tutela da respetiva posição jurídico-subjetiva de quem reúne os requi- sitos para uma tal libertação patrimonial, associa o legislador, em caso de insuficiência da massa insol- vente, a permanência da responsabilidade por custas e encargos dessa categoria de devedores, impon- do-lhes, mesmo em caso de insuficiência económica (no quadro dos critérios legais que definem o que deve entender-se por tal insuficiência), o pagamento dessas quantias e correspondente sacrifício patrimonial; diferentemente, os demais devedores decretados insolventes, que escolham não requerer o benefício da exoneração do passivo restante ou não reúnam os respetivos pressupostos, nunca são chamados a suportar qualquer montante, a título de custas e encargos, as quais recaem unicamente sobre a massa insolvente, qualquer que seja a evolução do respetivo património nos anos subsequentes ao decretamento da insolvência. VIII– Opera-se, na norma em exame, uma desvantagem infundada dos requerentes da exoneração do pas- sivo restante, onerados por presunção de capacidade económica que não têm meios de ilidir através do instituto do apoio judiciário, diferenciação que se tem como ofensiva da proibição das discri- minações com base nas categorias subjetivas contidas no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição, na vertente da proibição de discriminação fundada na situação económica do sujeito, sendo de concluir que a dimensão normativa em exame não garante o acesso à justiça, com referência ao incidente de exoneração do passivo restante, por parte daqueles que careçam de meios económicos suficientes para suportar os encargos inerentes ao respetivo desenvolvimento processual, ofendendo a garantia de não denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, e comportando tratamento discrimina- tório ilegítimo fundado na situação económica do sujeito, violando os artigos 20.º, n.º 1, e 13.º, n.º 2, da Constituição.

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