TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

126 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ao fiduciário meios financeiros idóneos para pagar tais créditos, a que se irá juntar, postulada a exigui- dade ou mesmo ausência de rendimentos granjeados pelo devedor, outra dívida de custas, em sentido amplo, incluindo encargos e despesas, também ela da responsabilidade do devedor insolvente, gerada pela tramitação do procedimento de exoneração do passivo restante durante os cinco anos do período de cedência; a crítica de inconstitucionalidade assenta na conjugação da permanência da responsa- bilidade por custas do devedor insolvente nesse quadro de circunstâncias com o regime especial em matéria de apoio judiciário consagrado pelo legislador no artigo 248.º do CIRE. III – O regime referido comporta um benefício especial, atribuído ope legis e sem necessidade de qualquer iniciativa por parte do devedor, consubstanciado no diferimento da exigibilidade da dívida de taxa de justiça e encargos processuais para momento posterior à decisão final do pedido de exoneração do passivo restante, uma vez recuperada a plena disponibilidade dos rendimentos angariados, a que acresce a possibilidade de pagamento faseado do remanescente a pagar; a ratio de tal normação radica no propósito de reforçar a proteção jurídica do devedor insolvente que requeira a exoneração do pas- sivo restante, em atenção à forte compressão de recursos financeiros que o próprio e o seu agregado familiar passa a estar sujeito, tendo o legislador do CIRE entendido que a exigência do pagamento imediato de taxa de justiça ou encargos ao próprio devedor (e não à massa insolvente ou ao acervo patrimonial gerado pela cedência de créditos futuros), significaria uma restrição adicional de recursos, e inerente acréscimo de dificuldades em fazer face às despesas comuns, em antinomia com o princípio da salvaguarda dos meios de sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, consagrado no artigo 239.º, n.º 3, alínea b) , inciso i) , do CIRE. IV – O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição consagra o princípio de que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, estabelecendo a garantia de que a justiça não pode ser denegada a quem não disponha de meios económicos para suportar os custas da litigância; sem consagrar a gratuidade dos serviços de justiça, a Lei Fundamental é incompatível com tributação processual que, pela sua onerosidade, impeça ou dificulte de forma desproporcionada o acesso aos tribunais, ao mesmo tempo que impõe ao legislador a consagração de um sistema adequado de apoio judiciário. V – A esta luz, a interpretação normativa efetuada pelo tribunal a quo do preceituado no n.º 4 do artigo 248.º do CIRE oferece motivos de censura constitucional, pela desproteção – e decorrente afasta- mento material do acesso ao sistema de justiça – que acarreta para o devedor exonerado do passivo restante na parte não amparada pelo mecanismo do diferimento do pagamento das custas; a limitação à concessão do benefício do apoio judiciário mostra-se racionalmente justificada nos casos em que o devedor não se encontra obrigado a pagar qualquer taxa de justiça ou encargos, designadamente pela atuação do mecanismo de diferimento do pagamento das custas até à decisão final do pedido de exo- neração do passivo restante; afastada a exigibilidade de qualquer pagamento a título de taxa de justiça ou encargos, o devedor que requeira simultaneamente a declaração de insolvência e a exoneração do passivo restante não carece do benefício do apoio judiciário nas modalidades em que a prestação con- siste, justamente, na dispensa, total ou parcial, de tais pagamentos. VI – Todavia, e ao contrário do que acontece com os casos de isenção, o benefício concedido ao devedor insolvente que deduziu pedido de exoneração do passivo restante é apenas temporário, comportando não mais do que um diferimento; o legislador projeta a exigibilidade e o cumprimento de tais obriga- ções de cariz pecuniário para momento posterior, uma vez concedida a exoneração do passivo restante

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