TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

113 acórdão n.º 477/20 apenas os casos em que, no momento em que a lei nova entra em vigor, ainda não se verificou a morte do requerido, é diferente a situação daquele que, sendo requerente numa ação de interdição em que o interro- gatório e o exame tenham sido realizados, tem a expectativa de que a ação venha a prosseguir se o requerido entretanto morrer; e a daquele que, no momento da entrada em vigor da lei nova, ainda não adquiriu a pos- sibilidade de pedir o prosseguimento da ação na eventualidade da morte do requerido. Nesta última situação, que é o dos presentes autos, a eficácia da lei é essencialmente prospetiva, limitando-se o efeito retrospetivo ou a conexão ao passado ao contexto – a ação pendente – em que os factos relevantes segundo a lei antiga ainda podem vir a ocorrer. O sacrifício da confiança, mesmo que se entenda verificar-se em alguma medida, é aqui necessariamente mínimo. 10.2. Quanto ao segundo aspeto, não pode acompanhar-se o entendimento da decisão recorrida de que o novo regime – e, em particular, a sua aplicação aos processos pendentes – é destituído de fundamento material. Pelo contrário, a sua razão de ser pode encontrar-se numa ordem de considerações de primeira grandeza axiológica: a garantia de um processo equitativo. Recorde-se que a vantagem maior que o prossegui- mento da ação proporcionava ao requerente era a possibilidade de se fazer valer da data provável do início da incapacidade fixada na sentença que decretava a interdição como base para uma presunção de incapacidade operativa em futuras ações de anulação de negócios jurídicos celebrados pelo requerido. A esta vantagem correspondia uma simétrica desvantagem para as contrapartes nessas ações, que, por não serem partes na ação de interdição, não tinham oportunidade processual para sindicarem a existência da incapacidade ou a data provável do seu início. Ora, terá o legislador ponderado que é mais conforme às exigências de um processo equitativo que as ações de anulação, no caso da morte do requerido, sigam as regras gerais, nomeadamente em matéria de distribuição do ónus da prova e exercício do contraditório. Segundo este raciocínio, é injusto que se sacrifi- quem interesses de terceiros normalmente salvaguardados pela lei para que o requerente possa gozar de uma vantagem que tem em vista a posição específica do requerido, vantagem essa possivelmente atribuída em atenção ao imperativo constitucional de proteção das pessoas portadoras de deficiência (artigo 71.º da Cons- tituição). Por outro lado, a aplicação aos processos pendentes da lei nova baseia-se – como assinala o Acórdão n.º 287/90 − na «própria natureza das leis de processo e justifica-se (…) em última análise [no] “exercício duma das funções do Estado – a função jurisdicional ou judiciária; quando se publica uma lei nova, isso significa que o Estado considera a lei anterior imperfeita e defeituosa para a administração da justiça ou para o regular funcionamento do poder judicial. Tanto basta para que a lei nova deva aplicar-se imediatamente” (Alberto dos Reis, Processo Ordinário e Sumário, 1.º vol., 2.ª edição, 1928, p. 32).» Em suma, o legislador quer fazer valer a ponderação de interesses consubstanciada na lei nova, aquela que reputa mais justa, em todas as ações – futuras e pendentes − ainda por decidir. 10.3. Resta o juízo de ponderação. Confrontando-se as razões do sacrifício da confiança dos destinatários – de duvidosa existência e, em todo o caso, de intensidade mínima – com as razões que informam a opção do legislador de mandar apli- car aos processos pendentes, mormente aqueles em que ainda não tenha sido realizado o exame pericial, a solução da extinção da instância em caso de morte do requerido, não se encontra o menor vestígio de dese- quilíbrio na lei. Os efeitos desta, pelo menos no que respeita à dimensão normativa que constitui o objeto do presente recurso, são essencialmente prospetivos, e as razões que a animam são legítimas e ponderosas. Assim, é de concluir que a norma sindicada não viola o princípio da proteção da confiança. 11. Tratando-se de recurso ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não há lugar ao paga- mento de custas.

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