TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em primeiro lugar, reitere-se que a finalidade da ação de interdição era a tutela dos interesses do reque- rido e que o seu efeito principal era de caráter prospetivo. Ao propor a ação, o requerente não tinha em vista o evento – incertus quando – da morte do requerido, e menos ainda a sua ocorrência antes de proferida a sentença e após a realização do interrogatório judicial e do exame pericial. Não há nenhuma razão objetiva para se presumir que, antes da entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, o requerente propunha a ação com o fito de exercer a faculdade de exigir o seu prosseguimento nos termos em que o regime ante- rior o permitia. No momento em que ação era proposta, os pressupostos desse exercício eram de verificação contingente e de relevância lateral no processo, de modo que é abusivo falar-se aqui de um «investimento na confiança». Em segundo lugar, nada no atual quadro legal impede o requerente, caso tenha a qualidade de sucessor do interditando – e só nesse caso há um interesse digno de tutela –, de impugnar judicialmente a validade de negócios jurídicos celebrados pelo requerido antes da publicidade da ação. A única diferença entre os dois regimes é que agora o requerente não tem forma de se desonerar da demonstração da incapacidade na ação de anulação – no caso de invocar a incapacidade acidental do celebrante – ou, mais amplamente, de todos os pressupostos de qualquer uma das causas de anulabilidade previstas na lei de que se queira fazer valer em juízo. Só que esse é o regime geral que vale para todas as ações desta índole, aliás aplicado desde sempre nos casos em que o interditando falecesse antes da realização do interrogatório judicial e do exame pericial. Em terceiro lugar, nada parece obstar a que, tendo sido já realizado o exame pericial do interditando, o relatório do mesmo possa ser feito valer como elemento de prova em ação anulatória autónoma que o requerente venha a propor. Com efeito, a solução nova, ainda que aplicável imediatamente aos processos pendentes, não implica o desaproveitamento integral dos atos instrutórios na ação de interdição entretanto extinta, como que gerando uma impossibilidade prática de provar a incapacidade do falecido. Ao invés, tais elementos podem ser usados em eventuais ações de anulação, com efeitos próximos dos gerados pelo regime anterior, ou seja, como prova suficiente de incapacidade a partir de determinada data. Assim sendo, o puta- tivo «investimento» feito pelo requerente na ação de interdição é largamente transferível para outras ações destinadas à tutela dos seus interesses patrimoniais. 10. O caminho percorrido permite concluir pela inexistência de uma ofensa a um interesse na confiança digno de tutela constitucional. No mínimo, pode dizer-se que não se demonstraram os requisitos da proteção da confiança, tanto bastando para se formar um juízo de não inconstitucionalidade. Ainda que assim não se entendesse, porém, sempre seria de excluir o juízo de que a norma sindicada ofende o princípio da proteção da confiança, tendo em conta a reduzida intensidade do sacrifício imposto e as razões materiais da opção legislativa. Vejamos estes aspetos da questão. 10.1. Quanto ao primeiro, note-se que a lesão da confiança admite graus variados consoante se trate de retroatividade em sentido estrito ou de mera retrospetividade ( v. g. , Acórdãos n. os 128/09, 85/10, 399/10 e 171/17) e, no âmbito desta, consoante seja maior ou menor o alcance retrospetivo da lei nova. Há mera retrospetividade – refere o Acórdão n.º 128/09 − quando se trata da «aplicação da lei nova a factos novos havendo, todavia, um contexto anterior à ocorrência do facto que criava, eventualmente, expectativas jurí- dicas.» Como se afirma na decisão recorrida, a aplicação imediata da nova redação do artigo 904.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, gera esta espécie de «retroatividade inautêntica ou aparente», na medida em que se aplica a um facto novo − a morte do requerido – ocorrido num contexto anterior – a ação pendente. Só que o efeito retrospetivo é particularmente ténue no que respeita à norma sindicada nos presentes autos, porque pelo menos um dos dois factos – a realização do interrogatório judicial e do exame pericial − de que a lei antiga fazia depender a faculdade de exigir o prosseguimento da ação na eventualidade de o reque- rido vir a morrer, também é «novo» ou «posterior» em relação à entrada em vigor da lei nova. Considerando
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