TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

108 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL prodigalidade, alcoolismo ou toxicodependência de reger convenientemente o seu património, a lei anterior previa a possibilidade de ser decretada a inabilitação (artigo 152.º do Código Civil). Ao contrário da interdição, a inabilitação não se traduzia numa incapacidade genérica de exercício, antes se referia a determinadas categorias de atos, devendo a sentença que a decretasse especificar os que ficavam dependentes de autorização (artigo 901.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). A forma normal de supri- mento da incapacidade em caso de inabilitação era a assistência por curador, a quem competia autorizar os atos de disposição de bens entre vivos e todos aqueles que fossem especificados na sentença. Cabia também ao curador a administração, total ou parcial, do património do inabilitado, quando o tribunal assim o decre- tasse. A lei previa ainda a possibilidade de a sentença decretar a necessidade de representação do inabilitado para certos atos, os quais deveriam, nesse caso, ser praticados pelo próprio curador. No mais, era aplicável subsidiariamente o regime da interdição, com as necessárias adaptações (artigo 156.º do Código Civil). 6.5. Era este, em suma, o regime anterior à Lei n.º 49/2018. Esta aboliu os institutos da interdição e da inabilitação, introduzindo o regime do maior acompanhado. A caraterização deste não se reveste de particular interesse no âmbito dos presentes autos, porque a questão de constitucionalidade que aqui se coloca é dele independente. Com efeito, a aplicação imediata aos processos pendentes da nova redação do artigo 904.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – a qual, como vimos, implica a extinção da instância com o falecimento do inter- ditando, sem possibilidade de prosseguimento da lide para verificação da incapacidade existente e fixação da respetiva data de começo –, não obsta a que a validade dos atos praticados pelo requerido antes do seu faleci- mento continuem a ser regulados pelo regime anterior, nos termos do artigo 26.º, n.º 3, da Lei n.º 49/2018. Ora, tendo o requerido nos presentes autos falecido pouco depois da entrada em vigor deste diploma, toda a relevância jurídica do prosseguimento da ação diz respeito ao passado: aos efeitos que o decretamento da interdição venha a projetar nos atos praticados sob a vigência da lei antiga. De qualquer forma, note-se que o atual artigo 154.º do Código Civil, que estabelece o regime de vali- dade dos atos praticados pelo maior acompanhado quando não observem as medidas de acompanhamento decretadas, é equiparável em toda a linha ao regime anterior: anulabilidade dos atos do maior acompanhado posteriores ao registo do acompanhamento; anulabilidade dos atos praticados depois de anunciado o início do processo, caso se mostrem prejudiciais ao acompanhado; sujeição ao regime da incapacidade acidental dos atos anteriores ao anúncio do início do processo. Prevê-se ainda, no n.º 1 do artigo 900.º do Código de Processo Civil, que a decisão «fixa a data a partir da qual as medidas se tornaram convenientes», o que per- mite que continue a operar a presunção de incapacidade acidental incidente sobre os atos anteriores ao início do processo que tenham sido praticados no período fixado na sentença. A diferença − está claro − prende-se com a impossibilidade do prosseguimento da ação em caso de morte do requerido. 7. A recusa de aplicação da norma do artigo 904.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, conjugada o artigo 26.º, n.º 1, do mesmo diploma, teve por funda- mento a violação do princípio da proteção da confiança. No entendimento expresso na decisão recorrida, a opção do legislador de mandar aplicar aos processos pendentes a norma que determina a extinção da instância em caso de morte do requerido posterior ao exame e interrogatório frustra a expectativa legítima do requerente em obter uma decisão judicial comprovativa da incapacidade − decisão essa que, aproveitando os atos de instrução já realizados, facilitaria a anulação dos atos jurídicos praticados pelo requerido na vigência do período de incapacidade fixado na sentença, além do efeito residual de permitir a anulação de todos os negócios prejudiciais ao requerido celebrados no lapso de tempo entre a publicidade da ação e da interdição. A decisão repousa essencialmente nas seguintes razões: (i) quando a ação foi proposta, vigorava o regime anterior que permitia o prosseguimento da ação; (ii) o atual regime dificulta grandemente a prova da

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