TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
107 acórdão n.º 477/20 Quanto aos atos praticados e negócios celebrados após a publicidade da propositura da ação, mas antes do decretamento e publicidade da interdição, o artigo 149.º do Código Civil estabelecia a sua anulabilidade, embora sujeita a duas condições cumulativas: que a interdição definitiva viesse a ser decretada (por oposição à interdição provisória, prevista no artigo 142.º do Código Civil); e que o ato ou negócio causasse prejuízo ao interdito. A ação anulatória estava sujeita ao prazo de caducidade previsto no artigo 287.º do Código Civil, mas a contagem do mesmo apenas se iniciava na data do registo da sentença. Quanto ao direito adjetivo, o artigo 903.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, previa a possibilidade de a anulação correr por apenso ao próprio processo de interdição, a qual, após a citação dos interessados, seguia os termos do processo comum declarativo. Finalmente, no que diz respeito aos atos praticados e negócios celebrados antes do anúncio da proposi- tura da ação, o artigo 150.º do Código Civil estabelecia que aos negócios celebrados pelo interditando antes de anunciada a propositura da ação era aplicável o regime da incapacidade acidental, consagrado no artigo 257.º do Código Civil. Estes eram, assim, anuláveis, desde que o facto em que se traduzisse a incapacidade fosse notório ou conhecido do declaratário. 6.3. A lei não distinguia expressamente, no universo dos atos e negócios anteriores à propositura da ação, entre os praticados ou celebrados antes e depois da data que, na subsequente sentença de interdição, viesse a ser fixada como a do começo provável da incapacidade. Porém, e pese embora a sentença de interdição não produzisse efeito de caso julgado relativamente às contrapartes do interdito em tais negócios, por não terem sido partes na ação, entendia-se – como refere a decisão recorrida – que a mesma constituía fundamento para uma presunção, operativa em futuras ações de anulação, de que a incapacidade já existia desde a data do começo provável fixada na sentença de interdição. Desonerado da prova da incapacidade, ao autor da ação restaria, assim, provar que esta era conhecida do declaratário ou notória, como determina o artigo 257.º do Código Civil. Os negócios celebrados antes da data fixada na sentença de interdição seguiam, naturalmente, os termos gerais dos regimes da incapacidade acidental e da distribuição do ónus da prova. Esta distinção permite compreender, em face do alcance residual da categoria dos negócios celebrados após a publicidade da propositura da ação e antes da publicidade da interdição, a utilidade maior do disposto na redação antiga do artigo 904.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de o requerente pedir o prossegui- mento da ação após o falecimento do interditando, desde que já tivessem sido realizados o interrogatório judicial e o exame pericial. O exercício de tal faculdade podia traduzir-se na prolação de uma sentença que, reconhecendo a existência de fundamento suficiente para a interdição do falecido e fixando a data provável do começo da incapacidade, desoneraria o autor da prova da incapacidade numa futura ação de anulação incidente sobre um negócio celebrado sob a vigência presumida da incapacidade. É claro que, mesmo não sendo decretada a interdição, nada impedia os sucessores de obterem a anulação de negócios nos termos gerais, quer seja com fundamento em incapacidade acidental, quer noutras causas de invalidade que se mostrassem pertinentes, nomeadamente a falta de consciência da declaração ou a proibição da usura (artigos 246.º e 282.º do Código Civil). É evidente que seja assim no regime atual, em que a lei nega ao requerente a faculdade de pedir o prosseguimento da ação quando o requerido venha a falecer, mas nada obstava a idêntico resultado no quadro legal anterior, visto que o facto de não ser decretada a interdi- ção não implicava automaticamente que o interditando não sofresse de nenhuma incapacidade relevante no momento em que celebrou determinados negócios. É que, tendo em conta a gravidade dos seus efeitos no futuro, o decretamento da interdição pressupunha uma incapacidade atual e permanente, cuja não verifica- ção nada dizia de definitivo sobre uma hipotética capacidade pretérita e constante do requerido. 6.4. Quando a incapacidade devida a causas de interdição, embora permanente, não tivesse o grau de severidade que justificasse o decretamento desta, ou quando o requerido se mostrasse incapaz por
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