TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
106 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aos processos pendentes em que venham a ser realizados o interrogatório judicial e o exame pericial antes do falecimento do requerido. Outra será a questão de saber se é inconstitucional a aplicação daquele preceito aos processos pendentes em que o exame e o interrogatório tenham sido realizados antes da entrada em vigor da lei nova. As duas questões podem bem merecer respostas diversas segundo o parâmetro constitucional – o princípio da proteção da confiança – invocado na decisão recorrida. Em todo o caso, sendo este parâmetro sensível, por natureza, aos efeitos da lei no passado, os objetos normativos sindicáveis devem ser cuidado- samente discriminados segundo a situação temporal dos factos a que respeitam. Por outras palavras, haverá tantas normas de aplicação da lei no tempo consoante os factos regulados tenham ocorrido antes, no trânsito ou depois da entrada em vigor da lei nova. 6. A título preliminar, e estritamente com vista a aquilatar os exatos termos em que a questão de cons- titucionalidade se coloca, convém resumir o regime legal aplicável à incapacidade dos maiores, bem como a ação prevista nos artigos 891.º e seguintes do Código de Processo Civil. 6.1. Antes da reforma introduzida pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, a interdição e a inabilitação consubstanciavam formas de incapacidade permanente de exercício de direitos aplicáveis a maiores. A interdição consistia numa incapacidade genérica para o exercício de direitos, devida a deficiência física (surdez-mudez ou cegueira) ou anomalia psíquica, em qualquer caso suscetível de impedir o afetado de governar a sua pessoa e bens (artigo 138.º, n.º 1, do Código Civil, na redação anterior). Tratando-se embora, no essencial, de uma incapacidade de exercício, a interdição importava ainda determinadas incapacidades de gozo no caso de se dever a anomalia psíquica: impedimento matrimonial dirimente absoluto [artigo 1601.º, alínea b) , do Código Civil]; proibição de perfilhar (artigo 1850.º, n.º 1) e de testar [artigo 2189.º, alínea b) ]; e inibição plena do exercício [que se traduz numa incapacidade de gozo) de responsabilidades parentais [artigo 1913.º, n.º 1, alínea b) ]. Sendo aplicável a maiores, o seu regime tinha por arquétipo o regime aplicável aos menores, suprindo-se a incapacidade através de representação por tutela (artigo 139.º). Ao contrário da menoridade, porém, a interdição era necessariamente decretada por sentença judicial, sendo que a legitimidade ativa para propor a ação cabia, não ao próprio interditando, mas ao cônjuge do interditando, ao tutor ou curador deste, a qual- quer parente sucessível ou ao Ministério Público (artigo 141.º do Código Civil). Na dimensão adjetiva, a ação orientada ao decretamento da interdição seguia uma forma especial de processo – artigos 891.º e seguintes do Código de Processo Civil – e estava sujeita a publicidade numa dupla vertente: a propositura da acção que estivesse em condições de prosseguir era anunciada editalmente e publi- citada em jornal (artigo 892.º do Código de Processo Civil); e a sentença que viesse a decretar a interdição estava sujeita a registo civil (artigo 147.º do Código Civil). Era também dada publicidade, em termos idên- ticos aos da propositura da ação, à sentença que não decretasse a interdição [artigo 903.º, n.º 1, alínea a) , do Código de Processo Civil]. 6.2. A publicidade da ação e da sentença eram particularmente relevantes no que respeitava aos efeitos que o decretamento da interdição tinha sobre os atos praticados e negócios jurídicos celebrados pelo interdi- tando. Estes subsumiam-se necessariamente numa de três categorias: (i) atos praticados e negócios celebrados pelo interditando após o decretamento da interdição e respetiva publicidade; (ii) atos praticados e negócios celebrados após a publicidade da acção, mas antes do decretamento da interdição e respetiva publicidade; e (iii) atos praticados e negócios celebrados pelo interditando antes do anúncio da ação. A respeito da primeira categoria, dispunha o artigo 148.º do Código Civil que os negócios jurídicos celebrados pelo interditando depois do registo da sentença de interdição eram anuláveis, sem sujeição a quaisquer outros requisitos, nos termos previstos no artigo 125.º do Código Civil para os atos praticados por menores.
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