TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL beneficiário implica a extinção da instância, sem a possibilidade de o requerente pedir que a ação prossiga para o efeito de se verificar se existia e desde quando datava a incapacidade alegada”. 50. Os parâmetros de constitucionalidade cuja violação é invocada são, conforme resulta, igualmente, do teor do douto despacho de fls. 253, “[o] princípio constitucional da proteção da confiança e da segurança jurídica ínsi- tos no princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição”. 51. Por força do estatuído na interpretação normativa desaplicada, o conteúdo material do prescrito no artigo 904.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no sentido de que “a morte do beneficiário implica a extinção da ins- tância, sem a possibilidade de o requerente pedir que a ação prossiga para o efeito de se verificar se existia e desde quando datava a incapacidade alegada”,revela-se aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, mesmo que já tivesse sido realizado exame e interrogatório do beneficiário, des- vendando, assim, a dimensão retroativa inautêntica da norma sob discussão. 52. Tal dimensão de retroatividade reconduz-nos, necessariamente, ao debate sobre a compatibilidade de nor- mas infraconstitucionais, como a aqui rejeitada, com os princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança. 53. Na verdade, também no caso que nos ocupa, a aplicação de uma solução legal – a da imposição da extinção da instância nos processos de interdição ou inabilitação quando se verifique a morte do beneficiário – inexistente à data da propositura da ação, que impossibilita o requerente de pedir o prosseguimento de tal ação, ainda que já tivesse sido realizado exame e interrogatório do beneficiário, para o efeito de se verificar se existia e desde quando datava a incapacidade alegada, afeta a posição do Autor de um modo que era, para este, imprevisível à data da propositura da referida ação e em termos prejudiciais para os seus interesses, consubstanciando, consequentemente, uma situação de retroatividade inautêntica suscetível de violar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsitos no mais abrangente princípio constitucional do Estado de Direito Democrático. 54. Com efeito, no momento da propositura da ação o requerente era portador de uma legítima expectativa de que, após realizados os exame e interrogatório do beneficiário, poderia, ainda assim, caso este viesse a morrer, requerer o prosseguimento da ação para efeito da verificação da existência e data de início da incapacidade alegada, a qual lhe foi sonegada pela entrada em vigor da nova redação, concedida pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, ao artigo 904.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando conjugada com o prescrito no artigo 26.º, n.º 1, daquele diploma legal,de modo imprevisível à data da introdução do feito em juízo. 55. Isto é, apuramos que a aplicação do novo conteúdo do artigo 904.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aos processos introduzidos em juízo antes da sua entrada em vigor afeta desfavoravelmente, por força do disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, as legítimas expectativas dos requerentes de interdições ou inabilitações, em termos que não eram razoavelmente previsíveis à data da propositura das referidas ações. 56. Complementarmente, tal afetação desfavorável de expectativas não se revela imposta pela necessidade de salvaguardar quaisquer direitos ou interesses constitucionalmente protegidos ou, pelo menos, de quaisquer direitos ou interesses suscetíveis de prevalecer sobre aquelas expectativas. 57. Ou seja, há que inferir que se encontram reunidos, no presente caso, os dois pressupostos essenciais iden- tificados pela jurisprudência constitucional que justificam que seja conferida tutela constitucional ao princípio da segurança jurídica na sua vertente material da proteção da confiança. 58. Complementarmente, podemos avançar que, no caso vertente, se verificam, igualmente, os quatro requisi- tos de que a jurisprudência constitucional faz depender a tutela jurídico-constitucional do princípio da segurança jurídica na sua dimensão de princípio da proteção da confiança. 59. Assim, começaremos por constatar que, no que toca à necessidade da verificação de comportamentos estatais suscetíveis de gerar nos privados «expectativas» de continuidade, se relembrarmos que a consagração do regime processual de proteção de maiores portadores de deficiências tipificadas na lei que foi revogado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, vigorava desde 1967 – aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, que aprovou o atual Código Civil – e que a solução legislativa substituída retroativamente

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