TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

101 acórdão n.º 477/20 Como acima se salientou, quando foi proposta a presente ação de interdição, vigorava a norma que permitia, em caso de morte do requerido, o prosseguimento do processo, através de requerimento, para verificação da exis- tência de incapacidade e fixação provável do seu início. O legislador entendia que a proteção conferida ao incapaz em vida, devia permanecer mesmo em caso de ocor- rer a sua morte no decurso da ação, por forma a facilitar a prova da incapacidade, em futura ação de anulação de atos prejudiciais ao seu património. A anulabilidade dos atos do acompanhado prevista no artigo 154.º do CC foi estabelecida, segundo Mafalda Miranda Barbosa (...), no interesse do acompanhado, interesse que os seus herdeiros poderão, em sua substituição, querer fazer valer. Ora, a expectativa legítima do recorrente no sentido de poder obter uma decisão sobre a alegada incapacidade do requerido, com base no aproveitamento do exame pericial e do interrogatório constantes do processo, para, eventualmente, ponderar a propositura de uma ação de anulação frustrou-se, de uma forma gravosa, com a aplica- ção imediata do novo regime. Com efeito, a extinção da ação de interdição e consequente desaproveitamento daqueles meios de prova, dificil- mente permitem ao recorrente conseguir provar a incapacidade do seu falecido irmão na data em que praticou atos jurídicos suscetíveis de serem anulados, sendo certo que já tinha sido decretada, provisoriamente, a sua interdição. Conclui-se, por isso, que a aplicação imediata do artigo 904.º, n.º 1 do CPCivil, sem um regime transitório, aos processos de interdição pendentes, e face à inexistência ou insuficiência de interesses públicos prevalecentes, constitucionalmente protegidos, obvia, de forma intolerável, os mínimos de certeza e segurança(...), por afetar as expectativas criadas no cidadão decorrentes do regime que estava em vigor quando a ação foi proposta em juízo. Conclui-se, por estes motivos, que a aplicação imediata, aos processos pendentes, da norma que determina a extinção da instância, em consequência da morte do requerido, implicando o desaproveitamento do exame e interrogatório realizados nos autos, é suscetível de consubstanciar uma retroatividade inautêntica ou aparente (...) da lei, desrespeita o princípio constitucional da proteção da confiança e da segurança jurídica contidos no princípio do Estado de Direito Democrático (cfr. art. 2.º da CRP).» 3. Foi desta decisão que foi interposto o presente recurso, para apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 904.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, conjugada com o artigo 26.º, n.º 1, do mesmo diploma, interpretados com o sentido de que, nos processos pendentes nos quais já tivesse sido realizado exame e interrogatório do beneficiário, a morte do beneficiário implica a extinção da instância, sem a possibilidade de o requerente pedir que a ação prossiga para o efeito de se verificar se existia e desde quando datava a incapacidade alegada, por violação do princípio constitucional da proteção da confiança e da segurança jurídica ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição. O recorrente Ministério Público produziu alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «VI – Conclusões 48. O Ministério Público interpôs, em 11 de setembro de 2019, a fls. 250 dos presentes autos, recurso obri- gatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta decisão judicial datada de 10 de setembro de 2019, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, tendo como fundamento “(…) a alínea a) do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15/11”. 49. Perante o requerido, o Exm.º Sr. Conselheiro relator delimitou, a fls. 253 dos autos, o objeto do recurso nos seguintes termos: “[O] artigo 904.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, conjugada [com] o artigo 26.º, n.º 1, do mesmo diploma, interpretado com o sentido de que, nos processos pendentes nos quais já tivesse sido realizado exame e interrogatório do beneficiário, a morte do

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