TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

100 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de pedir o prosseguimento do processo para aqueles efeitos, desde que estivessem realizados no processo o interro- gatório do requerido e o exame pericial. A discordância do recorrente prende-se justamente com a aplicação desta norma pelo tribunal a quo ao pro- cesso pendente; ou seja, por não ter deferido o seu requerimento de continuação dos termos do processo e ter deci- dido extinguir a instância, em consequência do falecimento do requerido, inutilizando o exame e interrogatório feito a este último. Concretamente, o tribunal, em conformidade com o art. 26.º, n.º 1 da Lei n.º 49/2018, de 14/08, extinguiu a instância, em razão da morte do requerido, em estrita obediência ao disposto no art. 904.º, n.º 1 do CPC, que não prevê, ao contrário da expectativa criada juridicamente até esta data, a hipótese de os autos prosseguirem para verificação da incapacidade. Na verdade, o diploma legal que instituiu o regime do maior acompanhado determina, no referido art. 26.º, n.º 1 a sua aplicação imediata aos processos de interdição pendentes, aliás em concordância com o princípio de aplicabilidade imediata da nova lei adjetiva, sendo que apenas os atos do requerido ficam sujeitos à lei vigente no momento da sua prática (n.º 3). Como ensinava Manuel de Andrade (...), de acordo com este princípio, uma nova lei será de aplicar, desde logo, nas suas próprias causas já instauradas, a todos os termos processuais subsequentes, por razões de natureza publicística e instrumental do processo, por não interferir na solução dada pelo direito substantivo. Por conseguinte, afigura-se-nos seguro que, com a entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14/08, foi eliminada a faculdade conferida ao requerente de pedir a continuação do processo, para efeito de verificação da incapacidade. A opção do legislador, ao suprimir a continuação do processo após a morte do requerido, pese embora o regime anterior estatuir em sentido contrário e de ter sido alertado, em parecer, para o desaproveitamento do exame médico e do interrogatório, implica a demonstração da incapacidade acidental do requerido na ação de anulação, sem o benefício decorrente da presunção, que as pessoas, com legitimidade para tal, queiram propor. É precisamente esta alteração legislativa, de aplicação imediata aos processos pendentes, que o recorrente defende ofender o princípio de proteção da confiança previsto no artigo 2.º da CRP. Sobre a proteção da confiança na vertente da estabilidade legislativa, Jorge Miranda (...) refere que o legislador tem outrossim um dever de boa fé perante os destinatários das normas que edite e estes o direito de verem salva- guardadas as expectativas que aquelas tenham provocado. Citando o acórdão do TC n.º 287/90 (...), acrescenta que a ideia geral de inadmissibilidade (de medidas legis- lativas), poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: “ a) A afetação de expetativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dele constantes não possam contar; b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente pro- tegidos que devam considerar-se prevalecentes, deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do art. 18.º da Cons- tituição, desde a 1.º revisão. Pelo primeiro critério, a afetação de expetativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária. (…) Para julgar da existência do excesso na “onerosidade”, isto é, na frustração forçada de expectativas, é necessário averiguar se o interesse geral que presidia à mudança do regime legal deve prevalecer sobre o inte- resse individual sacrificado, na hipótese reforçado pelo interesse na previsibilidade de vida jurídica, também necessariamente sacrificado pela mudança. Na falta de tal interesse do legislador ou da sua suficiente relevância segundo a Constituição, deve considerar-se arbitrário o sacrifício e excessiva a frustração de expectativas.”(...)

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