TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
97 acórdão n.º 299/20 Uma das dimensões do direito de propriedade consiste no direito de não se ser privado da propriedade nem do seu uso – ou seja, e na prática, referimo-nos a um direito a não ser arbitrariamente privado da propriedade, e a ser indemnizado em caso de desapropriação. E, se é verdade que a CRP prevê várias figuras de desapropriação forçada por ato de autoridade pública, não o é menos que, no caso de formas de privação da propriedade a favor de tercei- ros (e não de fins públicos), a falta de explícita credencial constitucional tem levantado dificuldades constitucionais a algumas figuras correntes do direito civil ( v. g. , a acessão, a usucapião, o direito de preferência) que implicam transmissão forçada do direito de propriedade. Colhem aqui particular relevo conformador, então, determinados princípios do regime da restrição de direitos liberdades e garantias, como sejam os da proporcionalidade, adequa- ção e justiça (no caso, da contrapartida da alienação). Numa palavra, a solução que aqui se contesta consagra uma restrição desproporcionada do direito de proprie- dade, afetando de forma desproporcional, ou mesmo aniquilando, a liberdade de transmissão privada inter vivos . Da violação do direito a justa indemnização A segunda desconformidade constitucional diz respeito à justa indemnização. De acordo com a nova lei, o valor da “fração” é determinado em função da permilagem. A verdade, porém, é que há outros fatores que devem ser tomados em conta para o cálculo do justo valor da preferência. Com efeito, a área de uma fração de um prédio está muito longe de ser o único critério de avaliação de um imóvel: fatores como o nível de conservação, as vistas, o grau de luminosidade natural ou a própria disposição das divisões no interior do fogo locado ditam variações do valor do mesmo – o próprio piso em que a fração se situa ( v. g. cave, rés-do-chão ou último andar) é fundamental para a determinação do valor justo. Ora, o artigo 62.º, n.º 2, da CRP só autoriza o sacrifício do direito de propriedade mediante o pagamento de uma justa indemnização. Esta regra não vale apenas para as expropriações por utilidade pública, aplicando-se igualmente às restrições impostas por interesse particular. Se é pacífico que o sacrifício da expropriação por utilidade pública implica, necessariamente, o pagamento de indemnização justa, não seria compreensível que a desapropriação que não se funda, sequer, em fim coletivo e de interesse público, mas antes em interesse privado – ainda que tutelado constitucionalmente – não tivesse por contrapartida um valor fixado de forma objetiva e justa. Ou seja, o preço fixado para o exercício do direito de preferência tem de refletir o valor real da “fração”, devendo o inquilino pagar o preço que é justo, com todos os seus ónus e encargos, mas também com todas as suas valias e diferenças. Nestes termos, consideram os signatários que o direito de preferência dos arrendatários habitacionais, tal como vem configurado no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, com a redação da Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, não constitui apenas uma limitação à liberdade de escolha da contraparte, afetando mesmo a própria liberdade de cotratar e impedindo os senhorios, desse modo, de venderem todo o prédio de que são legítimos titulares. Nestes termos, têm potencial para violar a garantia fundamental da propriedade privada, prevista no artigo 62.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Consideram igualmente os requerentes que a redação da disposição atrás referida, ao restringir o critério de determinação do valor justo ao fator “área da fração” – ignorando fatores como o nível de conservação, as vistas, o grau de luminosidade natural, a disposição das divisões no interior do fogo locado ou o fator correspondente ao próprio piso em que a fração se situa – violam igualmente o direito a justa indemnização prevista no artigo 62.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa». 4. Notificada, ao abrigo do disposto nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei de Organização, Funciona- mento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro – LTC), para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, a Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos, enviando
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