TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

96 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL constituição de propriedade horizontal, em cujo título se especificaria o mencionado valor, pelo menos em termos de permilagem, conviria, porventura, esclarecer os critérios de determinação desse valor, matéria que desapareceu do texto no decurso do processo legislativo. E não se diga que o n.º 6 do artigo 1091.º resolve essa questão, pois respeita à venda de todo o imóvel em conjunto com outros. Esse esclarecimento pouparia eventuais efeitos negativos em termos de litigiosidade judicial. A segunda clarificação, mais importante, prende-se com o facto de, na sua versão submetida a pro- mulgação, o diploma parecer aplicar-se quer ao arrendamento para habitação, quer ao arrendamento para outros fins, designadamente comerciais e industriais. Ora, a proteção do direito à habitação, justificação cimeira do novo regime legal, tem cabimento no caso de o arrendamento ser para tal uso, mas não se for para uso empresarial”. As alterações ao Código Civil são do seguinte teor, conforme quadro abaixo: (…) Comparando a redação do art.º 1091.º do Código Civil que constava do Decreto da Assembleia da República n.º 233/XIII, com aquela que foi a redação final da lei, podemos concluir que as preocupações de Sua Excia. o Presidente da República foram, de alguma forma, acauteladas: a nova norma já se refere apenas ao direito de pre- ferência dos arrendatários habitacionais, além de prever que o valor do locado, para efeitos do exercício do direito de preferência, tenha em conta o valor proporcional dessa quota-parte, expressa em permilagem do valor total da transmissão». Seguidamente, os requerentes enunciam os fundamentos que, em seu entender, justificam um juízo positivo de inconstitucionalidade sobre a norma indicada no pedido: «Da violação da garantia fundamental da propriedade privada. A primeira desconformidade constitucional que cumpre assinalar diz respeito à limitação da liberdade contra- tual das partes e, bem assim, à faculdade de poder dispor livremente da sua propriedade. Obviamente que os requerentes não contestam que o direito de propriedade constitucionalmente consagrado não constitui um direito absoluto, estando, pelo contrário, sujeito a várias restrições (incluindo, naturalmente, o direito de preferência). Todavia, e desde logo, não se pode perder de vista que o princípio continua a ser o de que a propriedade pri- vada é um espaço de autonomia pessoal, um instrumento para a realização de projetos de vida que não podem ser interrompidos ou impossibilitados por opressivas ingerências externas. Além disso, e sobretudo neste caso, o sacrifício que se impõe ao proprietário de prédio não constituído em propriedade horizontal é desproporcionado. Isto porque, dizem a experiência e o bom senso, as mais das vezes, o projeto de compra diz respeito à totalidade do prédio que, amputado de uma “fração”, perderá o interesse para o comprador. O que impedirá o vendedor – e senhorio – de transmitir a sua propriedade. Se a lei restringisse o direito de preferência às hipóteses em que o senhorio pretende apenas vender a quota- -parte do prédio correspondente ao locado, o problema não se colocaria. A verdade, porém, é que o texto da lei não opera tal restrição, antes pelo contrário: a lei permite que o exercício do direito de preferência pelo inquilino seja restrito à quota-parte do prédio correspondente à fração não autónoma arrendada, o que – está bem de ver – deixa o senhorio com o resto do imóvel nos braços sempre que – como acontece frequentemente – o comprador apenas esteja interessado na totalidade do imóvel. No fundo, neste caso, o direito de preferência não constitui apenas uma limitação à liberdade de escolha da contraparte: ele afeta a própria liberdade de contratar. Na prática, com a nova solução legal, os proprietários de prédio não constituído em propriedade horizontal podem ficar impedidos de vender todo o prédio de que são legítimos titulares.

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