TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

93 acórdão n.º 299/20 opção pelo sorteio ou venda a terceiro, com distribuição do respetivo produto; perde-se a especial ligação do arrendatário ao locado, que constituía, em parte, a justificação para que lhe fosse atribuído o direito de preferência em análise, tanto bastando para termos de reconhecer que a norma do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil não é medida capaz de promover a estabilidade na habitação e impedir a especulação imobiliária. XXI - Em segundo lugar – mesmo que se aceitasse prima facie que a medida é adequada e idónea – é evi- dente a desnecessidade da mesma para promover o acesso do locatário à propriedade da habitação própria, não sendo indispensável que a preferência tivesse por objeto parte alíquota do prédio correspondente à permilagem do locado, ficando a divisibilidade da coisa comum à mercê da veri- ficação de situações futuras e hipotéticas; a aquisição de uma quota-parte ideal do prédio indiviso através do exercício do direito de preferência não é um meio tão eficaz e idóneo para atingir a estabilidade habitacional do arrendatário quanto o da sujeição da alienação à prévia constituição da propriedade horizontal, revelando-se a constituição da compropriedade através do exercício da preleção uma medida mais lesiva dos interesses do proprietário do que a prévia constituição da propriedade horizontal, assim como menos eficaz na proteção do interesse do arrendatário na estabilidade da sua habitação. XXII - Por último – e mais importante – a opção pela aquisição da quota-parte do prédio, correspondente ao locado, prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, não salvaguarda o equilíbrio de inte- resses entre proprietário e arrendatário, entre sujeito passivo e sujeito ativo da relação de preferência; nos termos em que a preferência foi estabelecida naquele artigo, o interesse do preferente não pode ser prosseguido sem detrimento do interesse do proprietário, já que a prioridade do preferente não é exercida em rigorosa paridade com as condições negociadas com terceiro, indo o sacrifício que é imposto ao proprietário muito além da limitação da liberdade de escolha do contraente, sacrificando excessivamente o direito à livre transmissibilidade do prédio, sem satisfazer o objetivo da estabilidade habitacional. XXIII - A preferência causa prejuízos consideráveis ao proprietário e posteriormente aos consortes: não é concedida em condições de igualdade com outrem; sujeita o proprietário a alienar parte alíquota do prédio contra a sua vontade; priva os demais consortes da utilização direta ou aproveitamento imediato de parte da coisa comum; estes entraves colocados ao proprietário e aos comproprietários no interesse do arrendatário são excessivos, desrazoáveis e gravosos, na medida em que também se constata que a preferência não permite alcançar os objetivos que estão na base da mesma, tratando- -se de uma intervenção legislativa que, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, não se encontra numa relação proporcional ou razoável – de justa medida – com os fins prosseguidos, que ao limitar des- proporcionalmente o direito de propriedade privada do senhorio, viola o disposto no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição. XXIV - Configurando a norma sub juditio uma violação da garantia da propriedade privada, ínsita no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, não se chega sequer a colocar o problema do dever indemnização: o direito de preferência não constitui privação, ablação ou “expropriação” do objeto do direito de pro- priedade; a definição normativa de limitações ou restrições a algumas das liberdades que integram o poder de disposição do proprietário, especialmente a liberdade de escolher o contraente, não trans- forma a preferência num ato ablativo sujeito a indemnização.

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