TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

92 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XVII- A preferência prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil é atribuída no quadro de um contra- to de arrendamento e por conseguinte tem pressuposto que o direito à habitação está constitucional- mente protegido através da forma contratual; a preferência na alienação do local arrendado não visa garantir a permanência da situação de arrendatário, mas antes facilitar a aquisição da propriedade desse local, pelo que a dimensão do direito de propriedade em causa é a faculdade de acesso à pro- priedade do local arrendado – o direito à propriedade; não existe qualquer restrição legal ao direito de acesso à propriedade, bem pelo contrário, o que se pretende é conferir ao arrendatário oportuni- dade de aceder, definitivamente, ao gozo do imóvel, adquirindo a plena propriedade, em antecipação a terceiro; não estão em confronto duas posições jurídicas tuteladas pela garantia constitucional da propriedade, mas a resolução de conflito entre o direito de propriedade do senhorio e o direito à habitação do arrendatário. XVIII - A possibilidade que assiste ao legislador de restringir o direito de propriedade para proteger a esta- bilidade na habitação do arrendatário, revelada no artigo 65.º da Constituição, não é ilimitada, na medida em que está, desde logo, vinculada pelo princípio da proporcionalidade; estando em causa dimensão em que o direito fundamental é de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a admissibilidade constitucional da restrição tem de ser analisada à luz do regime previsto nos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição, impondo-se responder diretamente à questão de saber se a norma contida no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil constitui medida legislativa inadequada, indis- pensável ou desrazoável. XIX - A norma sob apreciação afeta o direito de transmissão da propriedade, no sentido restrito de direito de não ser impedido de alienar o prédio, tendo de ser considerada, nesta dimensão, como verdadeira restrição do direito fundamental de propriedade, de natureza análoga a direitos, liberdades e garan- tias; estão em jogo dois direitos de natureza diversa – o direito de propriedade e o direito de habi- tação – em que a proteção deste importa a supressão ou oneração de elementos estruturais daquele; para além disso, na medida em que afeta imediatamente posições jurídicas já constituídas – o prin- cipal objetivo da Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro –, não pode deixar de ser caracterizada norma restritiva do direito fundamental de propriedade, pelo que terá de revelar-se meio idóneo, exigível e proporcional para alcançar as finalidades constitucionalmente legítimas de promoção da estabilidade na habitação e impedimento da especulação imobiliária. XX - No entanto, em primeiro lugar, o regime especial de preferência estabelecido naquele preceito não permite ao arrendatário o acesso imediato à propriedade plena do local arrendado, determinando a norma que o direito de preferir tenha por objeto parte alíquota da propriedade do prédio; não é seguro que a estabilidade na habitação seja efetivamente protegida pelo exercício do direito de prefe- rência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil porque, por um lado, pode não ser possível a divisibilidade em substância e jurídica da coisa comum, tendo em consideração as suas caracterís- ticas físico-materiais; por outro, mesmo quando tal seja possível, não está garantido que a parte afeta ao “uso exclusivo” venha a ser adjudicada ao preferente, pelo que a possibilidade da preferência numa quota do prédio não permite alcançar os objetivos que estão na sua base, pois dessa forma o inquilino não acede de imediato à propriedade da habitação, nem se consegue eliminar a eventual especulação imobiliária; a transformação do arrendatário em comproprietário pode criar uma situação de maior instabilidade habitacional, porque a posterior divisão pelos contitulares é operada através de diversos mecanismos cujo acionamento dependerá sempre de concretas circunstâncias, desde logo, da pos- sibilidade de se constituir ou não a propriedade horizontal, da existência ou não de acordo, ou da

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