TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

91 acórdão n.º 299/20 XIII - Temos, por fim, limites à faculdade de gozo, sem concurso da vontade livre e efetiva dos proprietários comuns; a aquisição pelo arrendatário de fração ideal do prédio parcialmente arrendado não o priva do gozo exclusivo de parte do imóvel, contrariamente ao que resulta das regras da compropriedade; a afetação ao preferente do “uso exclusivo” da parte especificado do prédio – a correspondente ao locado – implica divisão material do gozo do prédio, com consequente afastamento da regra do exercício «em conjunto» no que concerne à totalidade do prédio; não obstante a indeterminação da quota ideal, que se reflete naquela regra, a lei atribui ao preferente o uso direto de parte especificada, sem acordo unânime dos consortes. XIV - A referida tríade de restrições ao direito de propriedade – proibição de dispor da totalidade do pré- dio, compropriedade forçada e afetação do uso exclusivo – comporta intervenção na liberdade de atuação e no direito à autodisposição do proprietário e não simplesmente na reserva que a lei lhe faz do prédio; daí que a preferência prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil não atente apenas contra a liberdade de escolher o cocontratante, contenda com outras liberdades incluídas no direito de dispor, designadamente a liberdade de dispor ou não dispor e a liberdade de determinar as condições da transmissão, não podendo deixar de concluir-se pela existência de forte restrição ao direito de transmissão, no sentido restrito de direito de não ser impedido de transmitir o prédio; está- -se perante limitações significativas ao direito fundamental de propriedade privada: o proprietário corre o risco de ficar impedido de vender a coisa na sua integralidade, como pretendia e tinha, aliás, acordado; concomitantemente, corre o risco de, contra a sua vontade, se ver obrigado a vender parte da coisa (não tendo sido constituída propriedade horizontal, o prédio constitui uma única coisa); e os comproprietários ficam privados, sem o respetivo consentimento, do uso de parte da coisa comum a que têm direito. XV - A afetação do direito à liberdade jurídica do proprietário, singular ou comum, pode causar prejuízos apreciáveis; o exercício do direito de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º é suscetível de interferir negativamente no ativo patrimonial do proprietário, podendo o direito de preferência em análise contribuir para desvalorização muito significativa do prédio; acresce que, diferentemente do que acontece na venda de coisa conjuntamente com outra, quando aplicável à preferência do arrenda- tário, o legislador nem sequer acautelou a situação do proprietário quando tem dificuldade em arranjar comprador para as partes alíquotas não sujeitas à preferência; o facto de a venda cingida a uma parte do prédio constituir prejuízo apreciável não é tido em conta, o que constitui agravante adicional da posição do proprietário; em termos sistemáticos, não será fácil justificar a diferença de tratamento: se há razões para, em certas circunstâncias, proteger o proprietário no caso de venda de coisas autónomas entre si, por maioria de razão as haverá no caso de venda de partes componentes da mesma coisa. XVI - A limitação à liberdade de transmissão da propriedade prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil visa promover um interesse constitucionalmente protegido: o direito fundamental à habitação, o qual, na dimensão positiva, se traduz na pretensão do cidadão em ver realizados os deveres do Esta- do neste domínio, reconhecendo a Constituição vários modos de garantir o direito à habitação, sem estabelecer, à partida, preferência de um em detrimento do outro, embora se admita que a posição de proprietário possa, em abstrato, ser considerada mais estável que a de arrendatário e que, em con- sequência, o legislador, no âmbito da ampla liberdade de definição de políticas sociais, dê primazia a essa via de concretização do direito à habitação; a opção por uma ou outra solução teria sempre de passar por aferição do modo como cada uma afeta o direito de propriedade privada do senhorio, à custa do qual se promove o direito à habitação do arrendatário.

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