TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

90 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não pode deixar de integrar o conteúdo da propriedade que o legislador não pode desvirtuar, sob pena de não respeitar o mínimo da liberdade de apropriação que permita o desenvolvimento da persona- lidade individual; também os poderes e faculdades que sejam essenciais à garantia de um “espaço de autonomia pessoal” justificam a respetiva qualificação como direitos, liberdades e garantias de natu- reza análoga, não podendo deixar de concluir-se que o direito constitucional de propriedade integra poderes e faculdades subjetivas intangíveis, através da abstenção do legislador. X - A liberdade contratual constitui o instrumento jurídico necessário ao exercício da propriedade privada e as limitações e restrições à faculdade de disposição da propriedade, desde as que afetam a liberdade de contratar até às que respeitam à liberdade de estipulação do contrato, devem salvaguardar uma área de autodeterminação dos proprietários no trato privado; embora o direito legal de preferência do arrendatário constitua um limite ao direito de propriedade do senhorio – ao fazer nascer para o senhorio a obrigação de dar possibilidade ao arrendatário de exercer direito de preferência na trans- missão onerosa do local arrendado, está-se a impor limites à liberdade de escolha do outro contraente –, à parte a limitação quanto à livre escolha da contraparte, o direito de preferência em nada afeta a posição subjetiva do proprietário, não constituindo o direito de preferência do arrendatário obstáculo ao exercício do direito de propriedade; o senhorio não deixa de ter a faculdade de transmitir a titulari- dade do locado, ficando apenas limitado quanto ao modo pelo qual o pode fazer e ainda que a eficácia limitativa da liberdade seja forte, dada a eficácia real ( erga omnes ) de que goza o direito de preferência legal, o direito a transmitir não é afetado, pois o negócio não deixa de ser celebrado, em igualdade de circunstâncias, com parte diferente da primitivamente pensada. XI - No que especialmente respeita ao direito de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, as limitações aí previstas não se reduzem à faculdade de escolher livremente a pessoa com quem poderá ser realizado o negócio, estando a liberdade do proprietário vender ou dar em cumprimento o prédio parcialmente arrendado está duplamente limitada: na vertente positiva, porque se quiser ven- der a totalidade do prédio não pode fazê-lo; na vertente negativa, porque se não quiser vender a quota- -ideal, está obrigado a vendê-la ao preferente, ou seja, após o senhorio decidir vender e o preferente decidir exercer o direito, o princípio de que ninguém é obrigado a contratar ou a deixar de contratar encontra aqui forte restrição; por um lado, impede-se o proprietário de celebrar o negócio que pla- neara, vendendo o prédio na sua totalidade; por outro, obriga-se o proprietário a celebrar um negócio que não pretende celebrar, vendendo quota-parte do direito de propriedade incidente sobre o mesmo; embora até possa acabar por vender o prédio na totalidade, se encontrar comprador interessado na quota-parte não alienada ao preferente, a realização de tal negócio não lhe é assegurada, constituindo uma mera eventualidade e, de todo o modo, o contrato com o preferente será negócio distinto daquele que o proprietário projetara realizar, já que será sempre exercido em absoluta disparidade de condições com qualquer outro comprador. XII - A norma questionada também impõe limites à liberdade do proprietário estipular as condições em que pretende alienar o prédio parcialmente arrendado – o proprietário tem possibilidade de determi- nar concretamente o valor total da transação, mas a parte alíquota do prédio e o preço da alienação – o objeto do direito de preferência – é imposto pela alínea a) do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil: valor proporcional da quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado face ao valor total da transmissão; todavia, para efeitos de transmissão da titularidade do direito, o valor assim determinado não tem de corresponder necessariamente ao valor da parte alíquota que é objeto do direito de preferência.

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