TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
89 acórdão n.º 299/20 preferência do arrendatário pudesse incidir isoladamente sobre fração de prédio não constituído em propriedade horizontal – o “local arrendado” –, e o equilíbrio de interesses característico da relação de preferência ficava sempre salvaguardado, qualquer que fosse a resposta a dar a esse problema; a prio- ridade do preferente em detrimento do terceiro seria sempre exercida em paridade com as condições negociadas entre o vinculado à preferência e esse terceiro, pois a falta de coincidência entre os limites do objeto arrendado e os limites do objeto a adquirir através do exercício do direito de preferência não impediria a celebração de contrato de natureza e objeto idêntico àquele que o vinculado à preferência decidisse celebrar com terceiro. VII - O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta questão nos Acórdãos n. os 225/00 e 583/16, dos quais ressai a ideia de “neutralidade da Constituição” quanto à exigência da coincidência entre os limites do objeto do arrendamento e os limites do objeto em relação ao qual se exerce a preferência; não obstante no presente processo também estar em causa o direito de preferência do arrendatário de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, a questão de direito a resolver não é idên- tica à que foi considerada naqueles Acórdãos – que não julgaram inconstitucional a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do Código Civil –, havendo semelhança quanto ao objeto do direito que suporta a preferência – o local arrendado –, mas sendo diversos o objeto da preferência e o direito a adquirir pelo arrendatário; naqueles Acórdãos a admissibilidade da preferência facultava ao arrendatá- rio a aquisição, em paridade de condições, da propriedade plena do local arrendado; já a preferência prevista no n.º 8 do artigo 1091.º possibilita a aquisição da quota-parte do prédio correspondente à permilagem do local e o uso exclusivo do local arrendado, pelo que a questão jurídico-constitucional não tem necessariamente a mesma solução jurídica, sendo decisivo ter presente que o arrendatário não toma para si, em condição de tanteio, a totalidade do prédio alienado, mas apenas uma parte alíquota do mesmo, e que, se exercer a preferência, mantém em exclusividade o uso de parte da coisa comum, envolvendo o direito de preferência maior limitação ao direito de livre disposição da propriedade, uma posição jurídica patrimonial que goza de proteção jurídico-constitucional através do direito de propriedade privada, previsto no artigo 62.º da Constituição. VIII - A colocação sistemática do direito constitucional de propriedade no âmbito dos direitos económicos, sociais e culturais e a proteção “nos termos da Constituição” acentuam considerações objetivas que contribuem para a definição do seu conteúdo e limites; tal como os demais direitos fundamentais, o direito de propriedade pode ser restringido por «razões sociais», nos termos que relevam do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição; o que está vedado são intervenções legislativas restritivas do direito de propriedade, tendo em vista a prossecução de valores e interesses que não gozem, também eles, de proteção da Constituição, sendo a margem de liberdade do legislador para determinar o conteúdo e limites da propriedade tanto mais alargada quanto mais o objeto da propriedade estiver ao serviço da satisfação de um conjunto diversificado de necessidades sociais e económicas, de acordo com o programa constitucional; nesses casos, a prossecução dos interesses sociais só pode ser efetuada com diminuição do âmbito dos poderes e faculdades que formam o conteúdo subjetivo da propriedade privada, possibilitando a cláusula de conformação social da propriedade contida no artigo 62.º da Constituição ao legislador ordinário tomar em consideração interesses dos não proprietários contra- postos aos interesses dos proprietários, modelando ou restringindo o direito de propriedade de acordo com parâmetros constitucionais pertinentes. IX - A dimensão objetiva da garantia constitucional da propriedade privada não deve ser sobrevalorizada à custa da dimensão individual ou subjetiva; a dimensão de proteção contra a privação da propriedade
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