TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

763 acórdão n.º 421/20 demonstrado que o mandatário financeiro do referido Partido Político, também membro da respetiva comis- são administrativa, composta por duas pessoas (facto provado n.º 3), os quais desconheciam que as contri- buições deveriam ser suportadas por documento especialmente para o efeito, que formalmente certifique os montantes das campanhas efetuadas (factos provados n. os 16 e 17). A fundamentação desse juízo assentou na negativa dos visados, na respetiva falta de experiência partidária e financeira, assim como no comportamento dos mesmos no decurso do processo. Discordo desse juízo. Desde logo, a negação formulada pelos arguidos mais não comporta do que a colocação em crise de tais factos, sendo por si só insuficiente para infirmar a ocorrência do facto. E, tratando-se de facto interior, de natureza psicológica, a valoração probatória conta apenas com meios de prova indiretos, através dos quais seja logicamente possível extrair, face a padrões de experiência comum, uma conclusão segura sobre o conhecimento que norteou o agente no momento da passagem ao ato antijurídico.  No caso, a perceção de que apenas as contribuições formalmente certificadas podiam ser inscritas nas contas da campanha eleitoral. Assim tem sido afirmado o Tribunal, como decorre da síntese jurisprudencial constante do Acórdão n.º 669/16: «[Q]uanto à prova do substrato factual em que assenta o dolo, tem o Tribunal afirmado repetidas vezes (cfr. por exemplo, os Acórdãos n. os 86/08 e 405/09) que ela decorrerá normalmente de elementos de prova indiciária ou circunstancial obtida através dos chamados juízos de inferência. Como se escreveu no primeiro dos Acórdãos cita- dos, “além de admissível em termos gerais, o meio probatório em questão assum[e] decisiva relevância no âmbito da caracterização do «conteúdo da consciência de um sujeito no momento em que este realizou um facto objeti- vamente típico», em particular ao nível da determinação da «concorrência dos processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo» (cfr. Ramon Ragués I Vallès,  El dolo y su prueba en el proceso penal , J.M. Bosch Editor, 1999, pg. 212 e seguintes). Isto porque, conforme se sabe, o dolo – ou, melhor, o nível de representação que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico –, uma vez que se estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio, através da formulação de juízos de inferência e na presença de um circunstancialismo objetivo, dotado da idoneidade e concludência necessárias a revelá-lo”.» Ora, não é crível que um cidadão responsável assuma as funções de mandatário financeiro sem que esteja munido de um mínimo de conhecimentos em matéria financeira e contabilística, obtidos por via aca- démica, autoformação ou através da consulta e assistência de revisor oficial ou técnico de contas. Daí que, salvo circunstâncias excecionais, apenas em caso de incumprimento de normas com um grau de tecnicidade elevado, ou de difícil apreensão, designadamente por opacidade do respetivo regime legal, será verosímil a invocação de erro sobre elementos do tipo ou sobre a proibição (cfr. Acórdãos n. os 99/09, ponto 11, e 405/09, ponto 18). Não é manifestamente o caso, estando perfeitamente ao alcance de qualquer cidadão apurar da indis- pensabilidade de apresentação de um documento de certificação da contribuição para a campanha. Poderia, quanto muito, subsistir uma situação de dúvida, assente na inexperiência do mandatário finan- ceiro (pese embora tenha ficado por apurar quais as suas qualificações académicas e profissionais, sendo unicamente dada como provada a sua condição de reformado e incapacidade posterior à prestação de contas) e no decurso da fase inicial da vida do PURP, a resolver no sentido mais favorável aos arguidos por imposi- ção do princípio in dubio pro reo . Todavia, a conduta posterior à apresentação das contas, mormente aquela desenvolvida no âmbito do processo é, no meu juízo, inconciliável com a afirmação de dúvida racional- mente fundada. Na verdade, face aos termos da apreciação efetuada pela ECFP, que não podia transmitir em termos mais claros a exigência legal de certificação, a persistência no envio de documentação já declarada irrelevante, sem qualquer explicação, não denota a presença de uma deficiente perceção do quadro legal,

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