TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

758 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como escreveu Mário Aroso de Almeida – numa passagem transcrita no Acórdão – para que a decisão que declara irregularidades na conta da campanha eleitoral fosse imediatamente impugnável era necessário que definisse a situação jurídica «em termos que já não possam ser objeto de reapreciação em momento ulte- rior do procedimento – podendo, nesse sentido, dizer-se que se trata de decisões intermédias que formam caso decidido formal no âmbito do procedimento» ( Manual de Processo Administrativo, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 279). Ora, não é isso que ocorre com a decisão que declara existir irregularidades na conta da campanha eleitoral, uma vez que as mesmas podem ser reapreciadas e revertidas no âmbito da segunda fase do proce- dimento, em função do contraditório, da instrução e da prova que tiver sido produzida nessa fase. Não há, pois, qualquer relação de prejudicialidade entre a primeira decisão e a que decide a fase contraordenacional, em termos de esta se dever conformar com o conteúdo daquela. Não se verificando preclusão processual das irregularidades declaradas na primeira fase, que justifique o dever da ECFP se conformar com o conteúdo dessa decisão, também não há uma afetação imediata dos direitos e interesses dos destinatários da decisão. A autonomia que o Acórdão reconhece à decisão que declara a existência de irregularidades passíveis de coima e que se traduz na suscetibilidade de impugnação direta, para além de se projetar negativamente no desenvolvimento normal do procedimento, pode colocar em causa o princípio do acusatório em processo contraordenacional. A reforma introduzida pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, tendo em vista evitar que o tribunal apreciasse num primeiro acórdão a regularidade das contas e num segundo acórdão aplicasse as sanções contraordenacionais, é posta em causa com o entendimento de que a decisão tomada na primeira fase é imediatamente impugnada. Com efeito, deduzida a impugnação no prazo de 30 dias (sob pena de sanação dos vícios de que padeça, caso não seja tempestivamente interposta), o Tribunal não pode deixar de a conhecer. No caso concreto, para não conhecer imediatamente a impugnação, foi necessário invocar o n.º 3 do artigo 407.º do Código de Pro- cesso Penal, ordenando-se a «subida do recurso a final», por ocasião da impugnação da decisão sancionatória. A verdade é que, tratando-se de impugnação contenciosa, dirigida à eliminação de um ato ilegal, o Tribunal tinha que lhe dar seguimento, por imposição da tutela jurisdicional efetiva (artigo 268.º, n.º 4, da CRP). A retenção da ação prevista naquela disposição do Código de Processo Penal não só não é aplicável às ações impugnatórias – está prevista apenas para recursos jurisdicionais interpostos em processos pendentes – como torna ainda mais evidente que a lesão de posições jurídicas subjetivas não era imediata. Parece até contra- ditório dizer-se que o ato é impugnável porque afeta imediatamente os interesses dos destinatários e reter a ação impugnatória até à eventual subida da impugnação da decisão condenatória, quando esta pressupõe a existência da irregularidade que é objeto da pretensão anulatória na ação retida. Ou seja, quem provoca uma autónoma, imediata e efetiva lesão de posições jurídicas subjetivas é a decisão que definitivamente dá como provada a irregularidade e em consequência sanciona o infrator. Por outro lado, não se percebe porque é que, existindo um ato administrativo impugnável, que é prejudicial ao desenvolvimento do processo contraor- denacional, a ECFP não deva suspender este processo até à decisão jurisdicional da pretensão anulatória do impugnante. Acresce que o Tribunal retém a ação esperando que ulteriormente seja interposto um processo impugnatório da decisão condenatória, sem ter a certeza que o acoimado vai interpor o processo de anulação. Ao reter a ação parece que o Tribunal entende ser inevitável a condenação de quem praticou a irregularidade, juízo que só poderia ser feito se o ato impugnado fosse válido.    É verdade que a impugnabilidade da decisão que declara a existência de uma irregularidade passível de coima – no pressuposto de que se trata de um ato administrativo de eficácia externa, imediatamente lesivo – não faz precludir a possibilidade de impugnação da decisão condenatória. Mas também não pode deixar de se refletir no desenvolvimento do processo contraordenacional e na decisão condenatória que nele for tomada. Há que distinguir as situações em que aquele ato não padece de qualquer ilegalidade – assim reconhecido por sentença proferida na ação impugnatória – daquelas em que o ato padece de vícios determinantes da sua anulação. No primeiro caso, a apreciação judicial da validade da decisão que declarou a irregularidade das

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