TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

757 acórdão n.º 421/20 Nem todos os atos que integram a sequência procedimental podem ser impugnados perante o Tribunal Constitucional. Muitos atos que formam o procedimento, porque desempenham função meramente prepa- ratória ou ancilar, sem definirem a situação dos interessados na decisão final, não são judicialmente impug- náveis. Para além dos atos de conteúdo decisório que ponham termo ao procedimento, apenas podem ser contenciosamente impugnadas as decisões intraprocedimentais que em termos definitivos definam situações jurídicas que ponham em causa posições jurídicas subjetivas (de fundo ou procedimentais) dos interessados no procedimento [artigo 268.º, n.º 4, da CRP, 148.º do CPA e 51.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)]. Ora, a decisão tomada na fase declarativa do procedimento – a que declara existir irregularidades nas contas das campanhas eleitorais – tanto pode constituir a resolução final do procedimento como ter um alcance meramente intraprocedimental. Não obstante finalizar uma das etapas do procedimento, a decisão nem sempre provoca uma autónoma e imediata lesão de direitos dos interessados, tendo em conta a função desempenhada relativamente à atuação administrativa subsequente. A nosso ver, justifica-se distinguir as decisões da primeira fase em função da diferente natureza das irregularidades: (i) as subsumíveis a um dos tipos contraordenacionais previstos nos artigos 30.º a 32.º da LFP; ii) e as que não relevam no plano con- traordenacional. OTribunal, por diversas vezes, como no presente Acórdão, faz esta distinção quando se pro- nuncia no sentido de que há deveres na LFP cujo incumprimento não é sancionado com coima (Acórdãos n. os 417/07, 77/01, 139/12 e 177/14). A decisão que reconhece e qualifica determinadas situações como irregularidades que não desenca- deiam processo contraordenacional constitui uma decisão final ou definitiva, pois não havendo infração não se avança para a segunda etapa do procedimento. Neste caso, a decisão é imediatamente impugnável (e suscetível de se tornar inimpugnável pelo decurso do tempo). A Lei do Tribunal Constitucional, na alínea e) do artigo 9.º, atribui-lhe competência para conhecer desse processo de anulação, mas nos artigos 103.º e seguintes – «processos relativos a partidos políticos, coligações e frentes» – não prevê um esquema processual adequado ao julgamento da validade da decisão impugnada. OTribunal deverá assim adotar uma tramitação processual adequada à pretensão anulatória do recorrente, assegurando um processo impugnatório equitativo (artigo 547.º do Código de Processo Civil).  A situação tem enquadramento processual diferente quando a ilegalidade ou irregularidade verificada e declarada é suscetível de integrar um elemento objetivo do tipo contraordenacional. Nesta situação, a ECFP tem o dever de passar à segunda fase do procedimento, notificando as candidaturas «sobre a sua intenção de decisão das contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais», as quais exercem o contradi- tório no prazo de 30 dias, findo o qual a Entidade decide se aplica ou não as sanções previstas na lei (artigo 44.º da LEC). Para que o ato sancionador se possa praticar é indispensável que nessa fase se «confirme» a irregularidade verificada na primeira fase. Significa isto que a decisão que declara a existência da irregula- ridade perde autonomia funcional, no sentido de produzir efeitos independentemente do ato sancionador. Trata-se apenas de um ato intraprocedimental (de um «ato pressuposto», no sentido de ato de qualificação jurídica de uma situação, cuja verificação é indispensável para abrir a fase contraordenacional) que apenas poderá ser imediatamente impugnável, em razão do seu caráter lesivo, se não puder ser de novo apreciado na fase contraordenacional. É hoje claro que as decisões tomadas no decurso do procedimento administrativo apenas são impug- náveis quando «não possam ser de novo apreciadas em momento subsequente do mesmo procedimento» [alínea a) do n.º 2 do artigo 51.º do CPTA]. A contrario , devendo a irregularidade ser novamente apreciada no âmbito da segunda fase do procedimento, como resulta expressamente do n.º 3 do artigo 44.º da LEC, quando prevê a possibilidade de não aplicação da sanção, tem de entender-se que a primeira decisão não opera a preclusão processual do reconhecimento e da qualificação de determinada situação como ilegalidade ou irregularidade. E assim sendo, o conteúdo do ato que decide o procedimento contraordenacional não depende lógica e necessariamente da decisão antecedente que declara existir irregularidades na conta da campanha eleitoral.

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