TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
755 acórdão n.º 421/20 Por conseguinte, nem todas as ilegalidades e irregularidades verificadas na decisão relativa à prestação de contas serão relevantes no plano contraordenacional, nos termos dos artigos 30.º a 32.º da LFP. Como se refere no mesmo acórdão: «(…) apesar de a violação da Lei n.º 19/2003, em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais, poder resultar do incumprimento de qualquer um dos deveres específicos que as suas normas impõem ou da violação do dever genérico de organização contabilística, apenas são passíveis de coima aquelas condutas que sejam subsumíveis à previsão tipificadora dos artigos 30.º a 32.º do referido diploma legal. Com efeito, ao invés do que resultaria de um tipo geral aberto, construído de modo a tornar sancionável a violação, em si mesma e enquanto tal, de qualquer um dos deveres resultantes da Lei n.º 19/2003, os tipos legais que integram o regime jurídico do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais contêm, eles próprios, uma descrição da conduta proibida que estrutura a própria definição do ilícito». Assim, importa começar por verificar se a irregularidade constatada na decisão relativa à regularidade das contas da campanha preenche ou não os elementos objetivos e subjetivos previstos no artigo 31.º, n. os 1 e 2, da LFP, cujo incumprimento foi imputado aos arguidos. Sob a epígrafe «Não discriminação de receitas e despesas», determina o artigo 31.º da LFP: «1 – Os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS. 2 – Os partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS.» Como resulta do teor da norma, o elemento objetivo do tipo contraordenacional em apreciação con- siste na prestação de contas de campanha eleitoral sem “discriminação” ou sem a devida comprovação das respetivas receitas e despesas. Como acima mencionámos, não está em causa qualquer violação dos deveres legais de organização contabilística a que obedecem as contas das campanhas eleitorais, mas apenas e tão só a violação de tais deveres que se traduza na ausência de “discriminação” e/ou de devida comprovação da receita ou despesa em causa. No que respeita ao elemento objetivo do tipo contraordenacional em apreciação, constitui jurisprudên- cia constante que o incumprimento do dever de certificação das contribuições dos partidos constitui uma ilegalidade (viola o artigo 16.º, n.º 2, da LFP) enquadrável no artigo 31.º, n.º 1, da mesma Lei, na parte em que se refere à deficiente comprovação das receitas da campanha eleitoral. Relativamente ao elemento subjetivo, o tipo do artigo 31.º da LFP é estruturalmente doloso, admitindo a verificação do dolo em qualquer uma das três modalidades que dogmaticamente lhe estão associadas, ou seja, dolo direto, necessário ou eventual. Volvendo ao caso dos autos, provou-se que nas contas apresentadas pelo PURP existem receitas pro- venientes de contribuições do Partido para a campanha que não foram objeto de certificação pelos órgãos competentes deste, situação que viola o disposto no artigo 16.º, n.º 2, da LFP. Contudo, demonstrado que ficou, pelo acervo dos factos provados, que o mandatário financeiro, bem como o outro membro da Comissão Administrativa, agiram no convencimento de que os documentos apre- sentados constituíam certificação bastante do recebimento deste tipo de receitas e de que haviam cumprido todas as formalidades legais sobre as contas da campanha – desconhecendo a obrigação de certificação espe- cífica –, excluído fica o dolo na sua conduta, o que impõe a absolvição dos arguidos, uma vez que a contraor- denação em causa não é sancionada, como se disse já, a título de negligência (artigo 8.º, n.º 2, do RGCO).
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=