TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

752 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E, segundo, porque tal afirmação, ainda que fosse verdadeira, mais não significaria do que a confissão de uma infração diversa, uma vez que, em tal caso, essa realidade não estaria adequadamente refletida nas con- tas – nem poderia estar dado que consubstanciaria uma receita proibida. O artigo 16.º, n.º 1, ao enumerar taxativamente as receitas que podem financiar as atividades de campanha, apenas prevê, no que respeita a eleições para a AR, a obtenção de donativos, mediante o recurso a angariação de fundos. 20. [21.] . Recurso da decisão da ECFP sobre as contraordenações em matéria de contas de campanha Importa começar por analisar a questão prévia do não conhecimento do recurso apresentado pelo man- datário financeiro do partido. Como acima referimos, o Ministério Público pronunciou-se pelo não conhecimento do recurso inter- posto por António Manuel Mateus Dias, com fundamento na ineptidão do requerimento de recurso e na violação do artigo 59.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, preceito que estabelece os requisitos formais do recurso de contraordenação. No requerimento de recurso, o recorrente refere que «vem apresentar recurso do processo de contraorde- nação n.º 13/2018, sendo o mesmo igual ao do partido, conforme documentação anexa», sendo que um dos anexos corresponde às alegações apresentadas pelo co-arguido Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP). Ora, considerando que o recorrente pretendeu efetivamente remeter para as alegações de recurso apre- sentadas pelo PURP, fazendo-as suas, e que o recurso deste partido não apresenta qualquer vício formal que obste à sua apreciação – uma vez que substancialmente as questões colocadas pelo arguido António Manuel Mateus Dias sempre seriam conhecidas por via da apreciação do recurso do partido, sem prejuízo das imper- feições formais do requerimento – admite-se o recurso por este apresentado. Vejamos agora as questões de natureza processual suscitadas pelo PURP, como a invocada ilegitimidade do Partido no procedimento contraordenacional e a alegada prescrição do procedimento criminal referente ao mandatário financeiro do PURP. 20.1. [21.1.] Ilegitimidade do recorrente PURP O recorrente alega que «[o PURP] era parte ilegítima na relação contraordenacional em causa, na medida em que, à data da ocorrência dos factos participados, estava ainda desprovido de órgãos eleitos nos termos estatutários». Em primeiro lugar, importa salientar que, pese embora a questão ser perspetivada pelo recorrente como um problema de (i)legitimidade processual – enquanto pressuposto processual –, analisando a argumentação aduzida verifica-se que está em causa uma questão de natureza substantiva. Aliás, nem poderia ser de outra forma, considerando o modo como a legitimidade é entendida em pro- cesso penal. De acordo com o artigo 401.º, n. os 1 e 2, do CPP, aplicável ao processo contraordenacional por força do artigo 41.º do RGCO, a legitimidade do arguido para recorrer significa que ele só pode interpor recurso de decisões contra si proferidas [alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º], relativamente às quais tenha um interesse em agir (n.º 2 da mesma norma). No caso dos autos, é inequívoco que o arguido PURP tem um interesse em agir, impugnando a decisão proferida pela ECFP que o condenou no pagamento de uma coima no valor de € 4 260 (quatro mil duzen- tos e sessenta euros). Foi, aliás, por isso que recorreu. O que não faz qualquer sentido é o arguido que inter- pôs o recurso de contraordenação vir, depois, invocar a sua própria ilegitimidade para interpor tal recurso. Parece-nos relativamente evidente que um tal enquadramento se deve a um equívoco. Como ressalta das conclusões do recurso, a questão que o recorrente coloca – sob invocação de uma pre- tensa ilegitimidade – é a de saber se o PURP pode ser responsabilizado pela prática das infrações imputadas na decisão, ou seja, se cometeu os ilícitos contraordenacionais em causa, questão que, como está bem de ver, respeita ao mérito do recurso. Nestes termos, será analisada adiante, no ponto 3.

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