TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
744 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (substituindo aqueles primeiros diplomas legais). Porém, como se salientou no Acórdão n.º 563/06, com a entrada em vigor da LFP «não foram alteradas nem a razão de ser ou a lógica da apresentação das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais nem o essencial dos princípios e regras a que deverão subordinar-se a organização e apresentação das mesmas – pelo que mantém plena validade o entendimento geral que a esse respeito o Tribunal antes havia fixado». Note-se que as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 1/2018 – entre outras, na LFP, LEC e LTC – incidiram fundamentalmente na definição da competência para a apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Assim, não tendo ocorrido, desde a entrada em vigor da LFP até ao presente, qualquer alteração legis- lativa que implique diferente visão das coisas, cumpre reiterar essa jurisprudência, recentrando o objeto (principal) de fiscalização cometido ao Tribunal Constitucional nos recursos financeiros dos partidos políticos, que constituem, a par dos recursos financeiros das campanhas eleitorais, o objeto regulatório da lei, de acordo com a delimitação expressa do seu âmbito de aplicação definido no artigo 1.º – e enunciando como crité- rio de fiscalização das contas das campanhas eleitorais as «exigências que a lei, seja directamente, (…), seja indirectamente, pela devolução para regras e princípios de organização contabilística (…), lhes impõe nessa matéria » (itálico nosso). 17. Subjacente à leitura que o Tribunal Constitucional vinha expressamente fazendo da sua própria competência em matéria de fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais – e que não se alterou, como se disse já, por força da modificação da natureza jurídica da sua intervenção –, não pode deixar de estar uma certa compreensão, constitucionalmente conformada, da especificidade (orgânica, funcional e finalística) dos partidos políticos no quadro do Estado de direito democrático. A Constituição, em matéria de princípios fundamentais, consagra uma ideia de Estado que assenta na vontade ou soberania popular (artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, e 108.º). Os partidos políticos são, na conceção constitucional, a expressão organizada dessa vontade, rectius , a manifestação organizada das diferentes von- tades existentes na sociedade civil (artigos 10.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1). Nesta perspetiva, os partidos políticos são, na sua génese, conjuntos de pessoas (associações) que se reúnem com o objetivo comum de representar politicamente o povo, formando e expressando a sua vontade política, e de participar no sistema de governo consagrado pela Constituição, exercendo o poder político – que resulta da conversão de tais vontades em decisões políticas – ou condicionando, de forma direta, esse exercício (apontando esta dupla finalidade dos partidos políticos, cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português, Braga, 1983, pp. 93-95). Em ordem à realização dessa dupla finalidade, os partidos políticos participam nos processos eleitorais, apresentando candidaturas às eleições dos titulares dos órgãos do poder político (artigo 151.º, n.º 1, da Constituição) e, uma vez eleitos, participam, através do seu capital humano – dirigentes, militantes e simpa- tizantes –, no exercício do poder político do Estado. Não obstante o indiscutível relevo público-constitucional das funções que são reconhecidas e atribuídas aos partidos políticos – posto que estruturantes da própria organização política do Estado –, eles não deixam, por isso, de ser associações privadas, tanto no momento da sua constituição, como no decurso da sua ativi- dade (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit ., Volume I, p. 682, ponto II, e Jorge Miranda, «Divisão do Poder e Partidos Políticos», in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume LI – n. os 1 e 2, 2010, pp. 25 e seguintes). Como impressivamente sublinham aqueles dois primeiros autores e a generalidade da doutrina reco- nhece, «os partidos políticos são expressão da liberdade de associação dos cidadãos; não são órgãos estaduais, nem sequer associações de direito público; são associações privadas com funções constitucionais» ( ob. cit. , p. 682). Por efeito disso, os partidos políticos não podem deixar de beneficiar do núcleo essencial das liberdades que a Constituição reconhece às associações de direito privado (artigo 46.º), entre elas a liberdade de criação
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