TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

742 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Quererá isto dizer que a exigência da lesividade desapareceu, entretanto – podendo, por exemplo, impugnar-se judicialmente um ato favorável ao impugnante? A resposta é negativa: continua a exigir-se a lesão, mas a exigência passou a ser formulada no âmbito do pressuposto da legitimidade processual ativa: «tem legitimidade para impugnar um ato administrativo (…) quem alegue ser titular de um interesse direto, pessoal e legítimo, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos [proémio e alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do CPA] (itálico nosso). A única diferença é que a lesividade, que é regra na esmagadora maioria dos casos, pode, atendendo às peculiaridades da situação concreta, ser dispensada, como evidencia o uso do advérbio “designadamente”. 14. Mas em que consiste, afinal, a lesividade? De forma simples, dir-se-á que ela mais não é do que a projeção negativa dos efeitos do ato na esfera jurídica do interessado (naturalmente que quando a projeção é positiva, favorável ao interessado, o ato pro- duz efeitos, mas não é, evidentemente, lesivo dos interesses deste). Ora, quando observamos a decisão da ECFP que declara a existência de irregularidades na prestação de contas de um partido político, vemos bem mais do que um simples ato interlocutório: é esse ato que possibi- lita e condiciona a futura aplicação de sanções ao partido (na verdade, esse ato constitui a decisão que fixa a existência de irregularidades, verdadeira decisão final da subfase declarativa, que referimos noutro ponto). O partido tem todo o interesse em procurar destruí-lo ou, pelo menos, modificá-lo em sentido menos desfavo- rável, para assim conseguir a eliminação ou a redução da contraordenação (algo parecido com o que ocorre com certos impostos, em que a lei admite, ou impõe mesmo, a impugnação autónoma do ato de fixação da matéria coletável, porque este condiciona e determina a liquidação do imposto devido). Para além deste interesse, digamos, estritamente jurídico, existe um outro não menos relevante para o partido, mais num plano jurídico-político. Na verdade, não é possível desconsiderar as repercussões daquele ato para a imagem do partido, designadamente porque, nos termos do artigo 21.º da LEC, quer as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleito- rais, quer os acórdãos do Tribunal Constitucional proferidos em recurso de tais decisões, são publicados na 2.ª série do Diário da República . É frequente a comunicação social fazer-se eco das decisões do Tribunal nesta matéria. Esta ressonân- cia, independentemente do maior ou menor rigor do tratamento a tais decisões nos media, é suscetível de provocar assinaláveis danos reputacionais aos partidos visados. Parece inegável o interesse destes em atacar estas decisões, porventura até maior interesse do que aquele que terão em atacar as coimas aplicadas, já que o dinheiro afeta mais os cofres do que o prestígio e é este que se pode repercutir nas escolhas do eleitorado. Sendo assim, como cremos que é, – e para além do que se observou no ponto 11. relativamente à alí- nea e) do artigo 9.º da LTC – não pode deixar de se considerar a decisão da ECFP que julga as contas da campanha eleitoral de um partido prestadas com irregularidades passível de impugnação perante o Tribunal Constitucional. 15. Assente que está a recorribilidade da decisão, importa agora apreciar qual o momento da subida do recurso. Nesta sede, parece-nos também não haver grandes dúvidas de que a solução da subida a final – ou seja, após o recurso da decisão sancionatória – é a única que se compagina com o respeito pelo princípio do acu- satório que as modificações introduzidas pelo novo regime pretenderam assegurar. Com efeito, só assim se garante que o Tribunal Constitucional não é o órgão competente para decidir, num primeiro momento, da prestação de contas e das irregularidades verificadas e, num segundo momento, da aplicação das correspon- dentes sanções contraordenacionais – como sucedia no quadro legal anterior à alteração legislativa de 2018.

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