TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
741 acórdão n.º 421/20 de justiça orientada teleologicamente (afectada à tutela de direitos ou interesses)» (Acórdão n.º 499/96, podendo também alargar-se a referência aos Acórdãos n. os 32/98 e 416/99). No mesmo sentido se pronunciou o órgão máximo da jurisdição administrativa, escrevendo que «a par- tir da revisão constitucional de 1989 a recorribilidade contenciosa dos atos administrativos passou a aferir-se através da sua idoneidade para lesarem direitos e deveres» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Secção, de 12 de dezembro de 1996). A principal doutrina constitucionalista sublinha que «a garantia constitucional de impugnação de actos administrativos se estende a todos os actos que impliquem, de alguma forma, a lesão de direitos ou interes- ses, porque deve ser este o conteúdo material da impugnabilidade dos actos administrativos. Esta garantia vale em relação a todo e qualquer acto administrativo, independentemente da entidade que o pratique ou do contexto procedimental em que ele seja produzido: basta que um acto administrativo seja passível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, para que esse acto possa ser objeto de impugnação conten- ciosa» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 613). No mesmo sentido, mas de forma mais sucinta, Gomes Canotilho e Vital Moreira escreveram que «é a lesão de direitos ou interesses dos particulares que explica e legitima a impugnabilidade» ( Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2014, p. 829). 13. Todavia, para se alcançar a enorme relevância da previsão constitucional, é preciso viajar até ao pas- sado e retrospetivar o que sucederia antes daquela, se se houvesse que apreciar na jurisdição administrativa (caso esta fosse competente, bem entendido) um ato de verificação de irregularidades das contas como o praticado pela ECFP. A doutrina administrativa de então, seguindo maioritariamente a construção de Diogo Freitas do Ama- ral ( Direito Administrativo, Volume III, Lisboa, 1983, pp. 238 e seguintes), considerava que o conceito de definitividade se decompunha em três vertentes: a definitividade vertical, a definitividade horizontal e a definitividade material. A primeira exigia que o autor do ato fosse o órgão máximo de uma entidade pública (ou um órgão independente, isto é, não sujeito a hierarquia administrativa); a segunda reclamava que o ato pusesse termo ao procedimento administrativo; a última demandava a natureza decisional desse ato. Como facilmente se comprova, o ato de verificação da irregularidade das contas, integrado num proce- dimento que apenas se concluiria com a aplicação de sanções, não seria o ato final do procedimento admi- nistrativo. Como tal, seria inimpugnável judicialmente, por falta de definitividade horizontal. Virada a página da história em que reinou a definitividade, surgiu, em seu lugar, a ideia de lesividade: o que interessava agora não era partir de construções laboriosas e sofisticadas em matéria de organização e de procedimento administrativos – o estatuto jurídico do autor do ato, a natureza final ou interlocutória da decisão – mas, simplesmente, da análise dos efeitos deste. Veja-se o que, a este propósito, escreveu Mário Aroso de Almeida: «Note-se, contudo, que não têm só conteúdo decisório os atos finais dos procedimentos administrativos, mas também os atos praticados ao longo dos procedimentos que, ainda que parcialmente, definam situações jurídicas dos interessados, determinando o direito aplicável a determinada questão ou determinado aspeto de uma questão, em termos que já não possam ser objeto de reapreciação em momento ulterior do procedimento – podendo, nesse sentido, dizer-se que se trata de decisões interlocutórias que formam caso decidido formal no âmbito do procedi- mento» ( Manual de Processo Administrativo , 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p.279). Observe-se, ainda, que a exigência da lesividade nem sequer é feita pela norma legal que hoje regula o objeto da impugnação no processo administrativo. Na verdade, ela não consta do n.º 1 do artigo 51.º do CPA, que dispõe apenas que «ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (…).
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