TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

728 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98) O que está em causa é a determinação da existência ou não de uma lacuna no Código de Processo Penal, naquelas situações em que o recurso compreenda a reapreciação de prova gravada, entendendo o reclamante que tal lacuna existe, não sendo aplicável o artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, devendo ser integrada pela aplicação da norma do artigo 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do dis- posto no artigo 4.º do Código de Processo Penal. Entendeu-se na decisão recorrida que não existia nenhuma lacuna e que, por isso, não havia que aplicar ao caso a norma do artigo 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil. Colocada a questão nestes termos, é evidente que o objeto do recurso carece de idoneidade. Assim é porque o ora reclamante não sindica a constitucionalidade da norma aplicada na decisão recorrida, segundo a qual o prazo de interposição de recurso, ainda que este compreenda a reapreciação de prova gravada, é de 30 dias, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 411.º, mas o juízo de que não existe nenhuma lacuna neste regime, ou seja, de que o caso dos recursos que impliquem a reapreciação de prova gravada não é omisso, juízo esse que se situa no estrito plano do direito ordinário. Sem dúvida que se pode questionar no plano da constitucionalidade a norma que resulta do juízo de que não existe caso omisso – no caso vertente, a norma segundo a qual o prazo de interposição dos recursos que compreendam a reapreciação de prova gravada é o fixado no n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal −, mas já não é legítima a inclusão no objeto do recurso para o Tribunal Constitucional do próprio juízo que gerou tal resultado, o de que o artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, se aplica também aos recursos que compreendam a reapreciação de prova gravada, de tal modo que não há na lei nenhuma lacuna que careça de ser integrada. Tal juízo – o de que a lei não é omissa, porque se aplica ao caso dos autos − é matéria de direito ordi- nário, que excede os poderes cognitivos da jurisdição constitucional. Impõe-se, assim, a distinção entre o juízo de que o caso concreto não é omisso e a norma aplicada nesse caso; só esta é suscetível de constituir objeto idóneo de recurso de constitucionalidade. Como se escreveu no Acórdão n.º 677/16, «o Tribunal Constitucional tem a sua razão de ser na especialidade dos problemas que se lhe colocam, e que dizem res- peito à interpretação de uma lei diferente das outras — a lei constitucional — e à realização de uma justiça diferente das outras – sobre normas. A interpretação e aplicação das leis ordinárias a litígios é o domínio próprio e exclusivo dos tribunais comuns.» E acrescenta o Acórdão n.º 695/16 que, «o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem». Confirma-se, desta forma, o sentido do despacho de não admissão do recurso, ainda que com funda- mentos diversos. 12. Por decair na presente reclamação, é o recorrente responsável pelo pagamento de custas, nos ter- mos do artigo 84.º, n.º 4, segunda parte, da LTC. Ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, a prática do Tribunal em casos semelhantes e a moldura abstrata aplicável prevista no artigo 7.º do mesmo diploma legal, afigura-se adequado e proporcional fixar a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

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