TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 3. Para além disso, não acompanho a interpretação do artigo 26.º, n.º 1, da LFRA expressa no ponto 12 do Acórdão. Como se refere no ponto 11, é no Título VI da LFRA (artigo 55.º ss.) que se regula as compe- tências tributárias das regiões – o poder tributário regional e o poder regional de adaptação do sistema fiscal nacional –, nomeadamente no que diz respeito às competências normativas das regiões (artigos 57.º a 60.º). Por seu turno, tal como reconhecido no ponto 12, os artigos 25.º a 32.º da LFRA regulam os critérios de repartição das receitas fiscais para cada tipo de imposto entre a República e as regiões. Efetivamente, o artigo 26.º, n.º 1, da LFRA define em que situação constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (os elementos de conexão entre entidades que são sujeitos passivos de IRC e as regiões autónomas que justificam a titularidade por estas daquela receita). Trata-se de uma disposição financeira, que incide sobre o destino a dar à receita de um tributo e não sobre o tributo propriamente dito, que tem como destinatárias a República e as regiões. Dela não resulta a imposição de nenhum dever com- portamental para os contribuintes, os quais nem sequer são destinatários da norma. Por conseguinte, não é possível concluir – como se conclui no ponto 12 do Acórdão –, que a exigência do elemento instrutório constante das normas em apreciação é uma condição para a RAM poder efetivar o seu poder constitucionalmente atribuído [no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição], de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, ou que as normas objeto de fiscalização são apenas uma concreti- zação ou um reforço de algo que já resulta do artigo 26.º da LFRA. Acresce que estas duas afirmações nem sequer são coincidentes – se é que não são mesmo contraditórias – pelo que fica por esclarecer se na tese sustentada no ponto 12 as normas são tão imprescindíveis para concretizar o artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição que têm de ser conformes à Constituição ou se é por representarem uma mera concretização ou reforço do já previsto na lei que elas são conformes à Constituição. De qualquer modo, por uma via ou por outra, esta leitura esquece que as regiões dispõem de forma originária da receita destes tributos, adaptando o sistema tributário à realidade regional. 4. Por fim, não posso aceitar a relativização e menorização que é feita da reserva de competência dos órgãos de soberania no final do referido ponto 12. O facto de se poder encontrar uma justificação normativa para a existência de poder legislativo regional sobre uma dada situação representa apenas metade da equação necessária para o seu exercício constitucionalmente legítimo. É necessário, igualmente, que seja respeitada a reserva de competência dos órgãos de soberania, limite absoluto do poder legislativo regional (artigo 228.º, n.º 1, da CRP) – que se aplica independentemente da alínea do n.º 1 do artigo 227.º a que se esteja a recorrer. Isso significa que, em áreas abrangidas pela reserva, mesmo que exista interesse regional, terá de ser o legislador da República – de todos os cidadãos nacionais – a legislar, devendo ter em conta a situação especial das regiões autónomas. Não existe, no ponto 12, uma explicação convincente do motivo pelo qual se considera que a exigência feita pelas normas em apreciação no sentido de os operadores de TVDE e de plataformas eletrónicas deverem ter «estabelecimento efetivo e estável na Região» não constitui uma violação da reserva de competência da Assembleia da República, nomeadamente do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP, relativamente à liberdade de iniciativa económica privada (artigo 61.º da CRP) – que tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º da CRP). Na tese expressa no ponto 12 do Acórdão, não existe afetação de direitos porque a coordenação das relações financeiras e a articulação dos poderes tributários constitucionalmente previstos, em especial no que se refere à definição das condições necessárias da autonomia financeira regional, ainda se integra na estru- turação normativa do poder público. Uma tal fundamentação parece, porém, reconduzir-se a uma lógica determinista (“a assembleia legislativa da região tem competência porque tem de ter competência”) o que não é de aceitar, desde logo porque menoriza a salvaguarda da reserva de competência dos órgãos de soberania. Não posso concordar com a afirmação de um poder legislativo regional sobre a coordenação das relações financeiras com a República e a articulação dos poderes tributários constitucionalmente previstos, em espe- cial no que se refere à definição das condições necessárias da autonomia financeira regional. Naturalmente, o poder para legislar sobre essas matérias, num estado unitário (artigo 6.º), pertence à República. No âmbito

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