TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
71 acórdão n.º 429/20 DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei favoravelmente o presente Acórdão, concordando genericamente com o seu teor, afastando-me, no entanto, da fundamentação constante do ponto 12 relativamente à apreciação da constitucionalidade do disposto no artigo 6.º, n.º 4, alínea c) , do artigo 10.º, n.º 4, alínea c) e do artigo 10.º, n.º 9, do Decreto. Tal como o acórdão conclui no ponto 11, entendo que a Assembleia Legislativa da RAM, ao abrigo do artigo 227.º, n.º 1, alínea i) , segunda parte, da CRP, artigo 56.º, n.º 2, alínea b), e artigo 59.º, n.º 1, da LFRA, tem competência legislativa para criar uma norma cujo conteúdo impõe a constituição de estabele- cimento estável como condição do exercício da atividade de TVDE. Efetivamente, a Constituição atribui um poder legislativo regional específico de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais através do artigo 227.º, n.º 1, alínea i) , segunda parte, da CRP, que é distinto do resultante da alínea a) do mesmo preceito. A reserva de competência dos órgãos de soberania, limite absoluto do poder legislativo regional (artigo 228.º, n.º 1, da CRP) encontra-se respeitada, por se tratar aqui de uma adaptação do sistema fiscal nacional relativa à incidência pessoal, que não derroga as leis fiscais nacionais. Não posso, no entanto, acompanhar a linha de argumentação adicional que é desenvolvida no ponto 12. Afasto-me desta parte da fundamentação, essencialmente por três ordens de razão. 2. No ordenamento jurídico da República Portuguesa, a competência legislativa é atribuída pela Cons- tituição. Relativamente às regiões autónomas, a base normativa para o seu poder legislativo resulta da con- jugação do artigo 227.º da Constituição, que estabelece os poderes das regiões, com o artigo 232.º, n.º 1, da Constituição, que, por sua vez, estabelece a competência das assembleias legislativas das regiões, dele também resultando os termos e as condições do seu exercício. Nesse contexto, o poder legislativo regional é mais vasto do que as primeiras três alíneas do artigo 227.º, n.º 1, da Constituição. Daí resulta, sem qualquer dúvida, que o artigo 227.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição é uma base de atribuição de competência legis- lativa quanto ao exercício de poder tributário próprio e de poder de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, como se aceita no ponto 11 do Acórdão, que acompanho. Todavia, de forma surpreendente relativamente ao que fica dito anteriormente, no ponto 12. parece fazer-se assentar a emissão da norma objeto de fiscalização num poder geral de adaptação das leis nacionais às especificidades tributárias de cada Região Autónoma, abandonando-se a referência ao artigo 227.º, n.º 1, alí- nea i) , da Constituição. Ora, como foi dito, não existe um poder legislativo regional para além do que resulta da Constituição – o que implica a inexistência de um poder geral de adaptação da legislação da República à realidade regional que não resulte da Constituição. A fundamentação constante do ponto 12 parece basear o poder legislativo regional na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição [ou na alínea a) do mesmo preceito, a fundamentação não é clara]. Todavia, o artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da Constituição, estabelece o direito das regiões a «dispor (…) das receitas fis- cais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas». O seu objeto principal é, portanto, a regulação da relação financeira entre a República e as regiões. Dele também se extrai o poder da região de dispor das receitas fiscais, nos termos da LFRA e dos Estatutos, afetando-as às suas despesas através do seu orçamento regional. Este poder, no entanto, não se confunde com um poder legislativo tributário sobre os contribuintes. Para além disso, no domínio tributário, a base normativa para a competência das regiões para adaptação do sistema fiscal nacio- nal às especificidades regionais exerce-se através do artigo 227.º, n.º 1, alínea i) , segunda parte, da CRP. Nem da alínea a) nem da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição é possível extrair um poder tributário de adaptação que exceda o resultante da alínea i) – desde logo por uma razão de lógica interna da organi- zação sistemática do artigo 227.º, que regula o poder tributário próprio regional nessa alínea, incluindo a competência de adaptação.
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