TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

706 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL características singulares que impõem uma reponderação da solução legalmente prevista quanto aos efeitos do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade. Por esse motivo, exige-se, neste âmbito, uma clara demonstração, à luz das particularidades do diferendo em análise, de que a observância da regra geral deter- minaria um prejuízo considerável para o processo e para os interesses nele controvertidos. 9. Ora, visto isto, cabe explicar que se entende que, in casu , não existem razões, nesta altura, para rever a ponderação de direitos e bens constitucionalmente protegidos constante da lei, alterando o efeito do recurso estabelecido pelo tribunal a quo. Tal como anteriormente reiterado, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 78.º, n.º 5, da LTC, por implicar um afastamento da opção expressamente adotada pelo legislador, assume natureza que não pode deixar de ser excecional. Essa excecionalidade implica, por isso – e nos termos comprovados – que o Tribunal Constitucional apenas utilize essa prerrogativa quando constate que as características do caso impõem uma reponderação do regime regra. Neste sentido, apresenta-se como pressuposto base da utilização desta facul- dade a demonstração da necessidade impreterível de proceder à modificação do efeito do recurso, sob pena de prejuízo considerável para o prosseguimento da lide, tendo em conta os interesses em conflito. Tudo visto e considerado, conclui-se que essa excecionalidade não foi demonstrada no requerimento deduzido. Conforme se assinalou, o Ministério Público sustenta apenas, em abstrato, o risco de prescrição, e afirma que se vê impossibilitado de proceder ao encerramento do inquérito, e de realizar diligências requeri- das por outros arguidos (parágrafos 21.º e 22.º). Ora, tais argumentos não permitem defender a excecionali- dade do presente caso, já que se referem a consequências tipicamente associadas à interposição de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, durante a fase de inquérito, no âmbito do processo penal. Nestes termos, não parece justificar-se a pretendida modificação dos efeitos do recurso. Efetivamente, o principal motivo invocado – a prescrição – não colhe, colocando-se aqui em termos muito distintos da decisão parcialmente transcrita pelo requerente. Note-se que o presente recurso só pode ter dois desfechos: i) ou um julgamento negativo de inconstitucionalidade, o que significa que o ato de constituição como arguido fica convalidado em todos os seus efeitos, mormente, e com referência à data em que foi praticado, enquanto facto interruptivo da prescrição; ii) ou um julgamento positivo de inconstitucionalidade, com o significado de que a Relação terá que reformular o seu juízo. Mas mesmo neste caso, pode o Ministério Público proceder imediatamente a nova constituição de arguido, interrompendo o prazo prescricional. Em nenhum passo do requerimento é dito que o termo do prazo é eminente. Apenas se invoca a parali- sia da investigação, efeito que, como se assinalou, se deve à ponderação do legislador penal sobre os efeitos do recurso de decisões do Juiz de Instrução Criminal, em sede de inquérito.  Assim, em rigor, não se observa, na situação dos autos, uma potencial colisão entre direitos e bens constitucionalmente protegidos que obrigue a uma reavaliação da solução estabelecida no artigo 78.º, n.º 4, da LTC. Isto é, na pretensão ora manifestada, o Ministério Público não logrou enunciar um conflito – ainda que potencial – entre interesses juridicamente tutelados, que reclamasse uma intervenção do Tribunal Constitucional, pronunciando-se pela prevalência de um em detrimento do outro. Bem vistas as coisas, foi exatamente isso que se verificou nos dois acórdãos referidos, tendo a decisão de alteração do efeito do recurso concretizado a escolha por um dos interesses em confronto. Acresce ainda que, afirmar que «não se crê (…) que a alteração do efeito suspensivo (…) para efeito meramente devolutivo, afecte a utilidade das decisões a proferir por este Tribunal Constitucional» não per- mite, de forma alguma, esclarecer a verificação do requisito negativo previsto na parte final do n.º 5 do artigo 78.º da LTC.

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