TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

702 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 115. Aliás, nem se vê como é que a atribuição de efeito devolutivo ao presente recurso poderia favorecer de algum modo o andamento de outros inespecificados recursos de outros inespecificados arguidos apenas porque também alegadamente aguardam decisão deste Tribunal Constitucional. 116. Mas o que sobretudo importa é que a própria alegação segundo a qual o MP se encontra «impossibilitado de terminar a investigação e proceder ao despacho de encerramento respectivo» não é apta a legitimar o uso do poder excepcional estabelecido no artigo 78.º, n.º 5, da LTC. 117. Estamos perante uma afirmação que não é demonstrada. 118. E, não tendo sido dada ao ora Requerente – apesar de a ter requerido – oportunidade para consultar os autos a fim de preparar a presente pronúncia desconhece ele inteiramente o estado dos autos e da investigação neles empreendida. 119. No entanto, em bom rigor, não pode ser verdadeira. 120. O efeito suspensivo do presente recurso não constitui impedimento à investigação no inquérito ou à sua conclusão, na medida em que, como é evidente, esta não está dependente da constituição de arguido. 121. Salvo, unicamente, no que toca ao interrogatório como arguido (nos termos do artigo 272.º, n.º 1, e 120.º, n.º 2, al. d) , do CPP. 122. Mas esse acto, aliás, porque a qualidade de sujeito processual do arguido – constitucionalmente estabele- cida e cercada de garantias (cfr. artigo 32.º da Constituição, designadamente n. os 1, 2 e 5) – se sobrepõe à de meio de prova, apresenta a natureza substancial de um meio de defesa do arguido, e não de um acto de investigação. 123. Natureza que se exprime nos direitos ao silêncio sobre os factos imputados, à assistência de defensor e à informação sobre factos imputados e elementos de prova que baseiam a imputação [artigos 61.º, n.º 1, ais. b) , c) e f ) , 141.º, n.º 4, ais. d) e e) , 144.º, n.º 1, e 272.º, n.º 1, do CPP]. 124. A única alegação, portanto, que pode efectiva e concretamente estar a ser feita ao requerer a alteração do efeito do presente recurso, de suspensivo para meramente devolutivo é a de que não se pode esperar pela decisão definitiva sobre a (constitucionalidade da norma aplicada na declaração da invalidade do despacho que declarou a irregularidade da) constituição do Requerente como arguido.por ser necessário assegurar-lhe um meio de defesa que ele tem como arguido! 125. É um patente absurdo. 126. Completamente fora dos limites do poder estabelecido no artigo 78.º, n.º 5, que, apesar de toda a inde- finição de fins e critérios que o caracteriza, seguramente não pode visar a subversão da lógica processual das coisas, mas antes – e como se disse – uma finalidade legítima de excepcional relevância. 127. Finalmente, diga-se alguma coisa a uma referência final que o MP deixa cair ainda nesta matéria e que com a fixação do efeito meramente devolutivo se garantiria também a possibilidade de se apurar «o bem fundado das suspeitas do Ministério Público em relação aos diversos arguidos nos autos de inquérito subjacentes aos presen- tes autos de recurso, bem como se possibilitaria, a todos os arguidos, defender-se, eficazmente, de todas as suspeitas que sobre eles recaem» (n.º 22.º). 128. Começa por valer aqui, mutatis mutandis , o que atrás se disse: estamos perante uma afirmação geral, não demonstrada. 129. Mas seja como for, nunca uma tal razão seria susceptível de legitimar o exercício do poder estabelecido no artigo 78.º, n.º 5, da LTC. 130. Por um lado, a possibilidade de, num interrogatório de arguido, com os direitos constitucionais e legais atrás referido, e que é meio de defesa, se alcançarem meios de prova contra os outros arguidos nunca legitimaria o uso do poder excepcional do referido poder, já que esse fim não se pode considerar de excepcional relevância, razão pela qual a atribuição de efeito meramente devolutivo seria absolutamente excessiva. 131. E, por outro lado, existe na legislação processual penal um meio normal e não excepcional, para fazer face aos perigos que o MP alega relativamente aos co-arguidos, a saber: a separação dos processos nos termos do artigo 30.º do CPP. 132. Pelo que a atribuição do efeito meramente devolutivo não se mostra necessária.

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