TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
691 acórdão n.º 424/20 De todo o modo, “[…] a distinção entre privação total da liberdade (nomeadamente a prisão, que aliás pode revestir diversos graus de intensidade de confinamento) e a privação parcial (por exemplo, a proibição de entrada em determinados locais, proibição de residência em determinada localidade ou região) só tem relevo constitucional na medida em que a diferente gravidade de uma e outra deve ser tomada em conta na sua justificação sob o ponto de vista do princípio da proporcionalidade” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada , vol. I, cit., p. 479) Esta conclusão no sentido da verificação de inconstitucionalidade orgânica (nela comungando, Tiago Fidalgo de Freitas, “A execução do estado de emergência e da situação de calamidade nas regiões autónomas – o caso da pandemia COVID-19” , in revista e-Pública, cit., pp. 74/75) não seria – e não é – abalada pelo sentido adotado em outras discussões periféricas e a jusante. Assim, quem entender que, com a imposição de quarentena, designadamente através de confinamento, não está em causa o direito à liberdade, previsto no artigo 27.º da Constituição, mas sim o direito à deslo- cação, previsto no artigo 44.º da Constituição (sobre esta discussão, ver Jorge Reis Novais, “Direitos Fun- damentais e inconstitucionalidade em situação de crise – a propósito da epidemia COVID-19” , in revista e-Pública, cit., pp. 79-117, especialmente pp. 95 e seguintes e p. 99, e Estado de Emergência – Quatro notas jurídico-constitucionais sobre o Decreto Presidencial, disponível em https://observatorio.almedina.net/; José de Melo Alexandrino, Devia o direito à liberdade ser suspenso? – Resposta a Jorge Reis Novais , disponível em https:// observatorio.almedina.net/ ; Miguel Nogueira de Brito, Pensar no estado da exceção na sua exigência, disponível em https://observatorio.almedina.net/; e Rúben Ramião, O Direito à Liberdade e o Estado de Emergência numa Releitura de Alf Ross (2.ª Resposta a Jorge Reis Novais) e Lendo a Constituição em Estado de Emergência (3.ª Resposta a Jorge Reis Novais) , disponíveis em http://www.icjp.pt/publicacoes/papers/4 ) , concluirá de igual modo estar em causa um direito referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP. Também não interfere com a conclusão ora alcançada a discussão sobre a viabilidade constitucional das medidas de internamento em unidade de saúde, face ao disposto no artigo 27.º da Constituição [cfr., sobre esta discussão, cfr. André Dias Pereira, “Sobre o internamento compulsivo de portadores de tuberculose – anotação ao acórdão da Relação do Porto de 6 de fevereiro de 2002”, in Lex Medicinae, n.º 1, janeiro-junho de 2004, pp. 135/142; Sónia Fidalgo, “Internamento compulsivo de doentes com tuberculose”, in Lex Medi- cinae, n.º 2, julho-dezembro de 2004, pp. 87/124; Ana Paula Guimarães e Fernanda Rebelo, Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais , vol. I, org. por Paulo Pinto de Albu- querque, Lisboa, 2019, pp. 826/831; e Vasco Ricoca Peixoto, Ricardo Mexia, Nina de Sousa Santos, Carlos Carvalho e Alexandre Abrantes, “Da tuberculose ao COVID-19: legitimidade jurídico-constitucional do isolamento/tratamento compulsivo por doenças contagiosas em Portugal”, in Acta Médica Portuguesa, vol. 33, n.º 4 (2020), p. 225; Catarina Santos Botelho, Estados de exceção constitucional: estado de sítio e estado de emergência , cit., especialmente as considerações tecidas no respetivo ponto 3.3.- b) ] , seja porque não se trata, in casu , de internar cidadãos em unidade de saúde, seja porque o entendimento no sentido da viabilidade de tais medidas não deixaria de remeter para a sua adoção por lei parlamentar ou diploma do Governo autorizado pela Assembleia da República. Mostra-se, pois, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional afirmado na decisão recorrida, no que respeita à inconstitucionalidade orgânica das normas cuja aplicação foi recusada. Tanto basta – e isso nos dispensa, por inutilidade, da abordagem de outros fundamentos de desconformi- dade constitucional constantes dessa decisão – para concluir pela improcedência do recurso III – Decisão 3. Face ao exposto, decide-se: a) não conhecer do objeto do recurso relativamente às normas contidas nos artigos 9.º, 10.º 11.º e 12.º do Regime Jurídico do Sistema de Proteção Civil da Região Autónoma dos Açores, aprovado
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