TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

689 acórdão n.º 424/20 p. 478). É este também o entendimento que, de forma reiterada, tem sido sustentado pelo Tribunal Cons- titucional (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 479/94, 663/98, 471/01, 71/10, 181/10 e 54/12)” (Acórdão n.º 204/15), incluindo “o direito de não ser aprisionado ou fisicamente impedido ou constrangido por parte de outrem” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2014, p. 479). Como explica José Lobo Moutinho, “[o] facto de a Constituição, e também a doutrina e a jurisprudên- cia, falarem a propósito da liberdade física assim entendida, de liberdade tout court (ou, como faz a Constitui- ção italiana, de liberdade pessoal), sem outra adjetivação, é uma mera figura de estilo, explicável pelo facto de a liberdade física, como as suas restrições, enquanto justamente físicas, se mostrarem mais claramente apreen- síveis e aparecerem como a forma mais direta de compressão da liberdade humana, pelo facto de, por elas, se limitarem indiretamente muitas outras expressões da liberdade – pelo que pode dizer que a liberdade física as precede e condiciona (Vezio Crisafulli/Livio Paladin, Commentario breve alla Constituzione, Padova, 1990, p. 79) – e pela gravidade que daí lhes advém (bem expressa no facto de, entre nós, a sua privação estar incluída no conteúdo das mais graves de entre as penas: as de prisão” (anotação ao artigo 27.º, Constituição Portuguesa Anotada , org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, vol. II, 2.ª edição, Lisboa, 2018, p. 544). Este entendimento da “liberdade” prevista no artigo 27.º da Constituição enquanto (também e principalmente) “liberdade física”, que as exceções do n.º 3 confirmam em polo negativo, corresponde ao sentido interpretativo que tem sido adotado na jurisprudência constitucional – vide, designadamente, os Acórdãos n. os 479/94, 185/96, 83/01, 471/01, 204/15, 220/15, 228/15 e 463/16. 2.2.3. O Tribunal, para aferir de uma eventual privação ou restrição, deve atentar, particularmente, na intensidade da afetação da liberdade resultante da aplicação das normas cuja aplicação foi recusada. Importa, para o efeito, recordar o contexto factual fixado na decisão recorrida – não na medida em que o recurso tenha por objeto os factos (trata-se, como é sabido, de um recurso normativo), mas na medida em que estes revelam a potencialidade abstrata de restrição resultante da execução das normas aplicadas. Na ver- dade, tendo as normas sido executadas – sem desvio aparente face à respetiva estatuição – nos termos descri- tos na decisão recorrida, os correspondentes factos constituem um exemplo concreto do seu alcance abstrato. Podem, pois, e devem, neste preciso sentido e contexto, ser olhados tais factos enquanto acontecimentos reveladores da intensidade da afetação visada ou consentida pelas normas. Tais factos podem alinhar-se do modo que se passa a descrever. 1 – A pessoa visada pela norma foi encaminhada para uma certa zona do aeroporto, onde permaneceu conjuntamente com os demais passageiros e respetivas bagagens, até ser transportada num autocarro, escol- tado por um carro policial com os rotativos ligados, para o Hotel (...) sito à Avenida (...), em Ponta Delgada. 2 – Uma vez ali chegada, foi encaminhada para a zona do check-in , tendo-lhe sido atribuído um quarto de hotel específico, altura em que foi informada de que não podia sair do quarto, onde teria de permanecer durante os próximos 14 dias. 3 – Mais foi informada de que as refeições seriam fornecidas pelo hotel em três momentos definidos do dia, havendo duas alturas em que podia solicitar refeições/ snacks adicionais. 4 – Foi destacado um agente da PSP para a porta de entrada do hotel. 5 – Feito o check-in , a pessoa visada pela norma foi para o seu quarto, onde permaneceu ininterrupta- mente, o que corresponde às indicações que recebeu. 5 [ sic ] – A limpeza e manutenção do quarto foi feita pela pessoa visada pela norma, fornecendo o hotel toalhas e lençóis para mudar a cama, se solicitados. 6 – A lavagem e tratamento da roupa pessoal teve de ser efetuada pela pessoa visada pela norma, que foi informada de que não havia serviço de lavandaria, sendo fornecido detergente, se solicitado. 7 – A pessoa visada pela norma foi informada de que apenas seria possível aos familiares e amigos deixa- rem bens de 1.ª necessidade na receção para lhe serem entregues, como produtos de higiene, não tendo sido permitido que o cônjuge lhe trouxesse roupa para seu uso pessoal.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=