TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

688 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Série A – Arrêts et decisions , vol. 39, Affaire Guzzardi , Conseil de L’Europe, Strasbourg, 1981, pp. 32 e 33, na qual se considera a situação da “privação da liberdade” (artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e a restrição à liberdade de circulação (artigo 2.º do Protocolo Adicional n.º 4)] poder-se-á dizer que a distinção se suporta num critério qualitativo e não quantitativo, isto é, a privação da liberdade atinge diretamente uma dimensão da dignidade da pessoa humana, enquanto a mera restrição ou limitação da liberdade apenas condiciona o pleno desenvolvimento dessa dimensão. Segundo Maunz-Dürig, a privação da liberdade (Freiheitsentziehung) existe quando alguém contra a sua vontade é confinado, coativamente, através do poder público, a um local delimitado, de modo que a liberdade corporal-espacial de movimento lhe é subtraída. Local delimitado (eng umgrenzter Ort) pode ser o espaço de um edifício ou um acam- pamento. Haverá ainda privação da liberdade quando a pessoa detida puder deixar o estabelecimento prisional para trabalhar sob vigilância das autoridades prisionais. A mera limitação de liberdade (Freiheits-beschränkung) existe quando alguém é impedido, contra a sua vontade, de aceder a um certo local que lhe seria jurídica e facticamente acessível ou de permanecer num certo espaço. A liberdade de movimentação não é, assim, em contraposição à privação da liberdade, subtraída, mas apenas limitada numa certa direcção (cfr. Grundgesetz, Kommentar, § 104, 6 e 12). A privação da liberdade traduz-se numa perturbação do âmago do direito à liberdade física, à liberdade de alguém se movimentar e circular sem estar confinado a um determinado local, sendo a essência do direito atingida por um deter- minado tempo (que pode ser, aliás, de duração muito reduzida). A limitação ou restrição da liberdade (que não implique a sua privação) concretiza-se através de uma perturbação periférica daquele direito mantendo-se, no entanto, a possibilidade de exercício das faculdades fundamentais que o inte- gram. […]” (itálicos acrescentados). Se é certo que os âmbitos dogmáticos de privação e de restrição e, acima de tudo, a delimitação da sua fronteira in concreto não são unívocos (cfr., designadamente, as declarações de voto apostas ao Acórdão n.º 479/94), o certo é que o Tribunal tem regressado a esta jurisprudência (cfr., designadamente, os Acór- dãos n. os 185/96, 83/01, 471/01, 204/15, 220/15, 228/15 e 463/16) e o Tribunal Constitucional Federal Alemão também não abandonou, no essencial, os traços gerais da apontada distinção [cfr., recentemente, o acórdão de 24 de julho de 2018 (2 BvR 309/15 e 2 BvR 502/16), §67, bem como as citações ali indicadas: “2. a) O âmbito de proteção do artigo 2.º, n.º 2-2, da Lei Fundamental abrange tanto as medidas restritivas da liberdade ( freiheitsbeschränkende Maßnahme ) como as medidas privativas da liberdade ( freiheitsentziehende Maßnahme ); o Tribunal Constitucional distingue estas categorias de medidas com base na intensidade da interferência [na liberdade]. Um ato constituirá uma restrição da liberdade se alguém for impedido por autoridade pública, contra a sua vontade, de se deslocar para um lugar ou de permanecer num lugar que, de outro modo seria – no plano de facto e no plano jurídico – de acesso livre para si. Um ato constituirá uma privação da liberdade, o modo mais severo de restrição da liberdade, se suprimir a liberdade de movimento – que exista, em termos gerais, nas concretas circunstâncias de facto e de direito – nas suas diversas vertentes. A privação da liberdade caracteriza-se pela particular intensidade da interferência, e ainda pela sua duração, que não deve ser meramente de curto prazo” – vide, ainda, o acórdão de 15 de maio de 2002 (2 BvR 2292/00), §§ 24 e 25, ambos disponíveis em www.bundesverfassungsgericht.de /]. Está em causa, em suma, no artigo 27.º da Constituição, “[…] o direito à liberdade física, à possibilidade de movimentação sem constrangimentos. Tutela-se aqui, conforme tem sido consensualmente reconhecido, um aspeto parcelar e específico das diversas dimensões em que se manifesta a liberdade humana, o direito à liberdade física, entendida «como liberdade de movimentos corpóreos, de ‘ir e vir’, a liberdade ambulatória ou de locomoção» (cfr. Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 638) ou como «direito de não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisi- camente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar» (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007,

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