TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
672 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 25) o que significa que o país que não adote tais medidas, corre o risco não só de não assegurar um combate eficaz à doença, como de inclusive contribuir para a sua propagação (os casos dos Estados Unidos e do Brasil são disso um triste exemplo); 26) o requerente chegou a Lisboa no dia 8 de maio de 2020 , apenas tendo embarcado para São Miguel no dia 10 do mesmo mês. Não desconhecia, por outro lado, pela sua própria profissão, que as l igações aéreas no espaço europeu estavam, em geral, suspensas, assim tendo permanecido ainda durante várias semanas (cfr. supra n.º 33 das presentes alegações); 27) teve, por isso, tempo suficiente para se inteirar da situação no arquipélago e da obrigação imposta de confina- mento profilático. E foi-lhe mesmo entregue, durante o voo, uma declaração parcialmente preenchida, declarando que o incumprimento de quarentena o fazia incorrer em crime de desobediência; 28) conhecia, pois, o requerente, a medida de confinamento que o aguardava, e aceitou embarcar em tais condições, reconhecendo, inclusive, que embora «estivesse consciente da ilegalidade da sua detenção, acatou as ordens recebidas e não exerceu o direito à resistência, constitucionalmente consagrado no artigo 21.º da CRP»; 29) afigura-se, pois, inconsistente a tese de que o requerente terá sido apanhado de surpresa pela medida de confinamento, não tendo tido possibilidade de reagir. Teve tal possibilidade e não quis evitar a viagem, de alguma forma aceitando as respetivas consequências, parecendo ter em vista a possibilidade, inteiramente legítima, aliás, de vir a contestar judicialmente essa medida (cfr. supra n.º 34 das presentes alegações); 30) uma tal situação não pode deixar de ser devidamente ponderada quanto à qualificação da situação de confi- namento que lhe foi imposta. É uma restrição imposta? É uma restrição livremente assumida? Um misto de ambas? 31) qualquer que seja a qualificação que se adote quanto a este aspeto, parece claro que se não trata de uma situação de detenção típica daquelas que normalmente suscitam o recurso a uma providência de habeas corpus ; 32) sendo certo que se aceita que, mesmo em tais circunstâncias, o recurso a um controlo jurisdicional se afigura inteiramente legítimo e mesmo indispensável, uma vez que se trata de uma medida restritiva de um direito fundamen- tal, qualquer que ele seja, privação de liberdade ou limitação da circulação da pessoa, imposta por uma autoridade administrativa, neste caso a autoridade regional de saúde; 33) a caracterização da situação de confinamento profilático como de privação de liberdade poderá suscitar a ponderação de diversas outras questões. Estaremos, relativamente à unidade hoteleira de confinamento, perante um centro de detenção ? Sujeito à inspeção periódica do Ministério Público e das autoridades judiciais? Sujeito igual- mente às visitas do Mecanismo Nacional de Prevenção? Estamos perante a aplicação de uma medida de segurança por autoridade administrativa? (cfr. supra n.º 35 das presentes alegações); 34) deverão as pessoas sujeitas a confinamento, a concluir-se pela tese da inconstitucionalidade no âmbito do presente recurso, ser, então, todas elas indemnizadas , por detenção ilegal ou arbitrária ? 35) será a situação de confinamento substancialmente diferente da determinada pela declaração do estado de emergência, que vigorou em todo o território nacional desde o dia 19 de março (Decreto n.º 14-A/2020, de 18 de março, do Presidente da República) até ao dia 2 de maio (Decreto n.º 20-A/2020, de 17 de abril, do Presidente da República) e permitiu o confinamento compulsivo no domicílio ou em estabelecimento de saúde (cfr. designadamente o artigo 4.º, alínea a) , do primeiro Decreto)? (cfr. supra n.º 36 das presentes alegações)? 36) não constituiu tal confinamento igualmente «uma verdadeira privação da liberdade pessoal e física, não consentida», que impediu a maioria das pessoas de se deslocar e continuar a exercer a sua atividade profissional? 37) não é verdade que, pelo menos no âmbito do Decreto n.º 14-A/2020, do Presidente da República, que decretou o estado de emergência, a medida de confinamento compulsivo de cidadãos no domicílio ou em unidade hos- pitalar , necessária para evitar a propagação de doença infeciosa, como a COVID-19, não parece ter sido concebida como uma medida de privação da liberdade, que exigisse uma suspensão do direito à liberdade previsto no artigo 27.º da Constituição, mas antes como uma mera restrição ao direito à liberdade de deslocação e fixação, com reflexo no artigo 44.º, n.º 1, da Constituição? 38) não esteve a Ilha de São Miguel, sucessivamente, sujeita a uma situação de calamidade (2-4 de maio), de contingência (4-31 de maio) e de calamidade pública (até 15 de junho), o que comprova a volatilidade da situação
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