TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
67 acórdão n.º 429/20 das relações com os cidadãos e os agentes económicos. Neste sentido, as exigências legais concretizadoras dos pressupostos do poder constitucionalmente fundado de as regiões autónomas disporem das receitas nelas geradas, mormente as que resultam da LFRA, estão a montante de uma eventual restrição de direitos fundamentais. I.5. Significa isto que, na medida em que as exigências do Decreto referentes às conexões exigidas aos operadores de TVDE e de plataformas eletrónicas que pretendam exercer a sua atividade na RAM não extravasem as condições de imputação àquela Região das receitas fiscais de IRC correspondentes, e que se encontram previstas na LFRA, aquele diploma não excede a competência legislativa primária ao abrigo da qual foi aprovado. Com efeito, a perspetivação da exigência constante dos seus artigos 6.º, n.º 4, alínea c) , e 10.º, n.º 4, alínea c) , de localização da «sede, com estabelecimento efetivo e estável» na RAM como parte da conforma- ção jurídico-política da autonomia financeira das regiões autónomas e a consequente integração no respetivo âmbito, descaracteriza-a enquanto restrição do direito fundamental à livre iniciativa económica privada. II II.1. Para a apreciação crítica da fundamentação alternativa ensaiada no ponto 11 da decisão, importa começar por ter presente que o “poder tributário” a que se reporta o artigo 227.º, n.º 1, alínea i) , da Cons- tituição – e no seguimento deste preceito, também nos artigos 56.º, n.º 2, alínea b) , e 59.º, n.º 1, da LFRA – se situa exclusivamente no plano constitucional – nessa medida, trata-se de um poder originário –, corres- pondendo a um sentido estrito ou técnico de tal expressão: o «poder conferido constitucionalmente ao legis- lador para a criação, instituição, estabelecimento ou “invenção” dos impostos ( Steuererfindungsrecht ) e a sua disciplina essencial (sobre o conceito e a sua distinção face à competência tributária de cariz administrativo – a Verwaltungshoheit – frequentemente associada à capacidade tributária ativa, vide Casalta Nabais, Direito Fiscal , 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 241-243; idem , O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 275-277). Acresce que tal poder é atribuído às regiões autónomas em duas modalidades condicionadas por ato legislativo do Estado: (i) a criação de impostos próprios ou regionais, «nos termos da lei»; e (ii) a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, «nos termos da lei-quadro da Assembleia da Repú- blica». Daí a sua caracterização como poder originário subprimário (por contraposição ao poder originário primário do Estado), de segundo grau, subordinado ou condicionado: «os limites ou contornos do quadro em que pode ser exercido constam, em maior ou menor medida, da lei [do Estado], sendo [tal poder subri- mário] efetivado através de normas subprimárias ou de segundo grau. Ou seja, enquanto aquele [– o poder tributário do Estado –] é exercido nos termos da Constituição, este [– o poder tributário das regiões autó- nomas –] é exercido nos termos da lei» estadual (assim, vide Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos , cit., p. 287; vide idem , ibidem , pp. 285-286, outras diferenças justificativas da assimetria e não paridade constitucionais do poder tributário regional e do poder tributário do Estado; sobre a competência reservada da Assembleia da República para aprovar as duas leis referidas no artigo 227.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anotação XXV ao artigo 227.º, pp. 674-675; e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anotação VIII ao artigo 227.º, p. 323). Ora, a LFRA – tal como as suas antecessoras – inscreve-se nesta ordenação constitucional do poder tri- butário das regiões autónomas, fixando os termos e disciplinando o exercício da competência legislativa nesse domínio, com referência às duas vertentes acima identificadas (artigo 56.º), e auto-qualificando-se como a lei-quadro referida naquele preceito constitucional (artigo 69.º). A mesma lei disciplina ainda competências administrativas regionais, mantendo-as sempre bem separadas do âmbito do exercício do poder tributário proprio sensu . (artigos 60.º e 61.º e seguintes).
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